cultura popular

Nova geração de repentistas mantém viva a tradição de criar versos de improviso

Repente foi reconhecido como patrimônio cultural do Brasil pelo Iphan em 11 de novembro

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Adiel Luna, de 37 anos, aponta que a valorização da cultura popular nos meios acadêmicos abriu a porta para jovens repentistas - Instagram Adiel Luna
De um tempo pra cá, a cantoria começou a ser mais valorizada

Quando se fala em repente, a imagem que vem à cabeça de muita gente é a de um homem de idade com uma viola na mão.

Mas repentistas da nova geração mostram que a arte de criar versos em improviso continua viva e atrai novos talentos. É o caso da maranhense Fabiane Ribeiro, que tem 22 anos de idade e 4 de carreira. 

O gosto pela cantoria veio do pai, Carlito Ribeiro, também repentista. Apesar de dominar a técnica, Fabiane conta que ainda tem quem duvide da capacidade dela por ser jovem e mulher. 

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“As pessoas ficam naquela: 'ah, como é difícil ver, mulher não canta, não faz repente bom igual aos homens'. Mas ao mesmo tempo gera aquela curiosidade nas pessoas. Eu faço cantoria e quando termina tem muita gente que comenta: 'rapaz, eu vim porque eu pensava que você não ia cantar nada, mas desenrolou alguma coisa'”. 

O pernambucano Adiel Luna também aprendeu a fazer repente com o pai, Arnaldo Ferreira. Ele começou com 16 anos e hoje tem 37. Adiel comenta que há poucos repentistas da idade dele, mas na faixa etária dos 20 anos a situação já é outra. 

“De um tempo pra cá, a cantoria começou a ser mais valorizada, a cultura popular como um todo começou a ser mais absorvida dentro das universidades, mais respeitada. A própria categoria se dignificando, se respeitando, e impondo seu respeito, isso faz com que vire uma carreira atrativa”. 

Nas cantorias pé de parede ou nos festivais de repente, os cantadores têm que estar preparados para falar sobre qualquer tema que aparecer. É por isso que o bom repentista tem que estar por dentro dos assuntos do momento. E é aí que entra uma vantagem do mundo moderno: o acesso à informação através da internet. 

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O piauiense Jairo Silva, de 28 anos, que canta em dupla com o irmão Jeferson, de 24, conta que o repentista nunca sabe o que vai ter que encarar. 

“Tema mais difícil é aquele que você está desatualizado, que você não domina muito bem. Quando você não domina muito bem um assunto, você leva na prática, só 'acerando', como diz meu pai. É uma surpresa, uma caixa de surpresa, você nunca sabe o que vem de lá pra cá. Às vezes você pega temas ecológicos, às vezes você pega atualidades... aquecimento global. Tem que saber isso tudo”. 

Para Fabiane Ribeiro, os repentistas jovens levam vantagem quando se trata de temas atuais, como a tecnologia. “Os cantadores mais antigos, mais velhos, naquele tempo cantavam muito falando da Bíblia Sagrada, se baseavam nos romances, nos cordéis. Atualmente não, a gente já se baseia em outros assuntos porque a cantoria vai se renovando como o mundo vai se renovando também”. 

Patrimônio Cultural

Em 11 de novembro de 2021, o Iphan reconheceu o repente como patrimônio cultural do Brasil. Foi o fim de uma luta que vem desde 2013, quando foi formalizado o pedido de registro. 

A esperança dos repentistas é que o reconhecimento abra portas para políticas públicas voltadas ao repente, como o ensino nas escolas. Assim, mais jovens podem sentir vontade não só de fazer, mas de ouvir repente. Para Jeferson Silva, é fundamental que haja novos fãs de repente, chamados de apologistas.  

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“Os cantadores jovens de hoje, nós cantamos para os ouvintes antigos, ouvintes que promoveram os cantadores 30, 40 anos atrás. Esse apologista hoje está velho. Então quando um apologista desse chega a falecer, o que nos preocupa é a substituição, quem vai ficar no lugar”. 

Já Adiel Luna não acredita que o reconhecimento do Iphan possa mudar muita coisa na prática. Ele aponta que o repente não depende de incentivos do governo porque já tem uma estratégia de mercado própria. 

“Vão desde cantorias domésticas: alguém que gosta muito de cantoria e resolve fazer uma cantoria em casa, aniversário do pai, batizado do filho, casamento. Ou cantorias em espaços como restaurantes, churrascarias. Ou festivais de cantadores promovidos pelos próprios cantadores, que conseguem patrocínio da iniciativa privada, alguma coisa do poder público, que soma. Existe um circuito muito grande”. 

Com ou sem apoio do poder público, o repente continua traçando seu caminho como uma arte viva, sempre em transformação. E para fechar essa reportagem, vamos com um repente que a Fabiane Ribeiro fez especialmente para o Mosaico Cultural.

 

Edição: Douglas Matos