Em 2019, mais de 250 bancos assinaram os Princípios para Responsabilidade Bancária da ONU. Era um compromisso voluntário que definia seis linhas de responsabilidade socioambiental para a relação entre as instituições financeiras e os seus clientes.
Porém, muitos bancos continuam investindo em empresas que há anos são acusadas de violações de direitos humanos e crimes ambientais, sem que eles façam diligências adequadas, ou apurem informações sobre conflitos socioambientais em que seus clientes estão envolvidos. Empréstimos raramente são negados.
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Empréstimos de bancos a mineradoras não são ilegais. Mas, segundo o documento de orientação dos Princípios para Responsabilidade Bancária da ONU, os bancos deveriam informar-se — em alto nível — sobre como suas "políticas e práticas promovem uma conduta responsável, incentivam práticas e atividades econômicas sustentáveis".
Mas isso nem sempre acontece. É que apesar dos princípios da ONU, "é muito difícil garantir um mecanismo de sanção internacional que responsabilize os bancos", disse à DW Brasil Daisy Ribeiro, assessora jurídica da organização de direitos humanos Terra de Direitos. "Há muito tempo fala-se sobre isso, mas até hoje nada aconteceu."
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Nos últimos cinco anos, três bancos alemães signatários dos princípios da ONU - o Commerzbank, o Deutsche Bank e o DZ Bank - teriam investido mais de 1 bilhão de dólares em mineradoras envolvidas em conflitos no Brasil, segundo uma recente reportagem do Observatório da Mineração.
Investimentos em mineroduto alvo de denúncias
Saber o caminho percorrido pelos investimentos bancários até chegar a projetos controversos nem sempre é óbvio. Isso depende da informação veiculada pelas próprias empresas e bancos – que nem sempre o fazem em detalhes, explica Thomas Küchenmeister, o diretor da ONG alemã Facing Finance, com sede em Berlim, e que investiga a atuação dos bancos em várias áreas.
É um fato, porém, que o dinheiro dos bancos está favorecendo, há anos, muitas empresas envolvidas em conflitos sem que eles procurem saber detalhes sobre as muitas acusações de violações das quais estas empresas são alvo - tal com prevê o documento assinado junto à ONU.
Entre os bancos alemães, o Commerzbank é mencionado na reportagem do Observatório da Mineração pelo investimento de 627 milhões de dólares na gigante britânica da mineração Anglo American, que atua no projeto do mineroduto Minas-Rio - alvo, há pelo menos dois anos, de denúncias de crimes ambientais no município de Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais.
O DZ Bank, por sua vez, é mencionado por ter 118 milhões de dólares em ações desse mesmo conglomerado britânico.
Em 2018, o mineroduto Minas-Rio rompeu duas vezes, derramando milhares de toneladas de minério de ferro. No mesmo ano, a ONU advertiu o Brasil sobre as ameaças de morte que famílias sofriam em Conceição do Mato Dentro, depois de terem entrado com uma ação judicial contra a Anglo American Iron Ore Brazil S.A, subsidiária local da mineradora.
Questionada pela DW Brasil sobre se, em algum momento, foi procurada pelos bancos para dialogar ou reportar sobre seus compromissos socioambientais no município de Conceição do Mato Dentro (MG), a Anglo American disse seguir a legislação e altos padrões internacionais, mas que "não comentaria sobre suas relações comerciais com instituições financeiras".
O Commerzbank também reafirmou todos os seus compromissos socioambientais, mas "pediu compreensão por não poder comentar sobre as relações individuais com os clientes".
Já o DZ Bank disse à DW Brasil que a empresa de gestão de fundos pertencente ao Grupo DZ Bank estabelece processos de monitorização e gestão de riscos ambientais e de direitos humanos no seu universo de investimento.
Entretanto, um relatório recente do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) revelou que as famílias no município de Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais, têm acesso restrito à água e sofrem problemas de saúde por causa da contaminação das terras e das fontes na área em que a Anglo American atua.
Diligência mínima
Ao conceder um empréstimo, um banco nem sempre sabe que o dinheiro vai parar em investimentos irresponsáveis. Mas "em 10 minutos de [busca no] Google, você encontra muita coisa", observou, em entrevista à DW Brasil, o jornalista Maurício Angelo, fundador do Observatório da Mineração. "Se um banco quiser fazer uma diligência mínima - o que deveria, e está previsto fazer - sem dúvida, conseguiria descobrir muitas coisas questionáveis, rapidamente."
Porém, "há mais de dez anos estes bancos estão envolvidos em financiamentos diretos a mineradoras e empresas de commodities envolvidas em conflitos", apontou Angelo. "Será que não fazem a menor ideia de quem são estas empresas?", questionou.
Os investimentos indiretos de bancos que vão parar em projetos controversos também são alvo de críticas. Embora seja difícil discriminar o caminho do dinheiro em transações que envolvem várias empresas, ativistas pedem mais responsabilidade na concessão de investimentos. Pois, segundo argumentam, se houvesse alguma sanção jurídica que responsabilizasse os bancos em casos de violações socioambientais, certamente eles teriam mais cautela ao conceder empréstimos.
O terceiro banco alemão mencionado na reportagem do Observatório da Mineração, o Deutsche Bank, por exemplo, é apontado como investidor de 59 milhões de dólares na empresa suíça Glencore, uma das grandes traders de commodities do mundo e que até maio de 2021 manteve ações da CSN Mineração, tendo uma participação de 3% na empresa. Na oferta inicial de ações (IPO) da mineradora, em fevereiro, a anglo-suíça Genclore havia sido o investidor de maior peso, adquirindo 25% das ações.
Em abril, a prefeitura de Itaguaí multou a CSN Mineração sob a acusação de ter despejado diretamente na Baía de Sepetiba minério de ferro sem tratamento e de operar com licença ambiental vencida há nove anos.
À DW Brasil, a CSN Mineração negou veementemente todas as acusações. A empresa encaminhou à reportagem a licença ambiental para operar em Itaguaí e também seu pedido de renovação. A lei prevê que o licenciamento fica automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) do Rio de Janeiro. A situação é provisória desde 2011.
A DW perguntou ao Inea se o órgão constatou indícios de crimes ambientais na área de atuação da CSN Mineração em Itaguaí, e por que as licenças ambientais para operar no local não teriam sido concedidas definitivamente, mesmo após cerca de dez anos depois do pedido de prorrogação pela mineradora. O órgão não se manifestou até o fechamento desta reportagem.
A DW Brasil também questionou o Deutsche Bank. A instituição disse que, por motivos jurídicos, não se manifestaria sobre o caso específico envolvendo a Glencore e a CSN Mineração, mas que, como banco global, tem "um papel importante a desempenhar na promoção da transição da economia para uma maior sustentabilidade".
"Precisamos examinar nossa atividade comercial quanto a potenciais impactos negativos e compreender quais riscos ambientais e sociais podem estar associados a uma determinada transação ou cliente. A avaliação sistemática desses riscos é parte integrante de nossos processos de gestão de riscos", disse o Deutsche Bank.
Investimentos pelo mundo
Os casos envolvendo os três bancos alemães e mineradoras no Brasil são apenas parte de um universo de investimentos de bancos por todo o mundo direcionados a empresas acusadas de crimes ambientais, ou envolvidas em conflitos. Mas chamam atenção porque os três bancos são signatários dos princípios da ONU.
Segundo o relatório intitulado Dirty Profits (lucros sujos, em inglês) da ONG Facing Finance, que é resultado de uma investigação sobre investimentos de bancos em empresas acusadas de violações, da África a Papua Nova Guiné, muitas violações socioambientais ou de direitos humanos envolvem uso de forças de segurança violentas, agressões sexuais e morte nas minas.
Cinco dessas empresas - Anglo American, Glencore, BHP, Rio Tinto e Barrick Gold - já eram classificadas em 2011 no ranking das "mineradoras mais controversas".
De fato, as "instituições financeiras deveriam excluir os clientes que violam os direitos humanos", afirmou à DW Brasil o diretor da organização Facing Finance, Thomas Küchenmeister. Mas "não existe uma lei que responsabilize os bancos pelos crimes ou conflitos ambientais em que seus clientes possam estar envolvidos", disse. "Há apenas a moral – e a moral nem sempre é uma disciplina na economia", criticou.