Racismo

Com animação "Encanto", Disney tenta dar resposta a acusações de racismo

Empresa é constantemente acusada de apropriação cultural e representação preconceituosa de diferentes culturas

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Empresa consultou população indígena colombiana para nova animação. Mas para ativista, não é suficiente. - Reprodução/Disney

A nova animação da Disney, Encanto, apresenta uma aventura mágica de uma grande família indígena. Os Madrigal vivem numa cidade encantada nas montanhas da Colômbia. Com exceção de uma criança, todos os membros da família possuem um poder mágico individual.

Para o filme, os realizadores trabalharam com representantes da população indígena Zenú – uma quebra na tradição. Isso porque a Disney já foi frequentemente acusada de apropriação cultural e de apresentar narrativas racistas no passado.

Racismo em Dumbo

O desenho Dumbo, de 1941, mostra um grupo de corvos sentados em um galho, e um deles está fumando um charuto. Eles riem, dançam e cantam enquanto tiram sarro de Dumbo, o pequeno elefante com grandes orelhas, que escuta, triste.

O vocalista do grupo de corvos foi batizado de Jim Crow (crow significa corvo em inglês), uma referência às chamadas leis de Jim Crow que normatizaram a segregação racial pública no sul dos Estados Unidos.

Esse é também o nome de um personagem de teatro que se vestia com roupas esfarrapadas e usava maquiagem preta para entreter – um retrato racista de escravos afro-americanos.


O vocalista do grupo de corvos batizado de Jim Crow (crow significa corvo em inglês), uma referência às chamadas leis de Jim Crow que normatizaram a segregação racial pública no sul dos EUA. / Reprodução/Disney

"Errado na época e errado agora"

Mas Dumbo não é o único filme da Disney com cenas questionáveis.

Em Peter Pan (1953), por exemplo, os povos indígenas da América falam uma língua incompreensível e são frequentemente mencionados como "peles-vermelhas".

Desde então, a Disney acrescentou uma advertência sobre o conteúdo de vários de seus clássicos, incluindo Dumbo, Peter Pan e Aristogatas (1970). A advertência diz: "Este programa inclui retratos negativos e/ou maus-tratos de povos ou culturas. Esses estereótipos eram errados na época e são errados agora."

O disclaimer (isenção de responsabilidades) acrescenta que a empresa tem consciência do impacto danoso desse tipo de retrato e que quer aprender com isso, com o objetivo de "iniciar diálogos para criar um futuro mais inclusivo juntos".

Mas uma advertência no início de um filme é suficiente?

Para a cineasta Keala Kelly, que vive no Havaí e é Kanaka Maoli (nome tradicional para nativos havaianos), não.

"Com essas advertências, a Disney dá a si mesma um passe livre para atualizar e manter os retratos racistas de seu passado", afirma. "Eles não abdicarão deliberadamente de máquinas de fazer dinheiro como Peter Pan porque não é só o filme que gera os lucros de bilhões. É o merchandising e os perpétuos remakes desses filmes", explica Kelly.

Ela lamenta o fato de que os povos cuja cultura é apropriada pela Disney não podem se defender porque, de forma típica, "são os povos mais marginalizados do mundo, os mais colonizados".


"Pocahontas", de 1995, foi usado como exemplo de apropriação cultural. / Reprodução/Disney

Apropriação cultural para obter lucro

Vários exemplos de apropriação cultural – ou seja, a adoção inapropriada de elementos de uma determinada cultura ou identidade por membros de outra cultura ou identidade – podem ser encontrados nos filmes da Disney, incorporando e alterando elementos de uma outra cultura por motivos de entretenimento.

Por exemplo, Pocahontas (1995) se baseia numa figura histórica real de uma mulher americana nativa, retratada no filme como uma princesa da Disney parcamente vestida que se apaixona por John Smith, um aventureiro e colonizador inglês.

Filmes mais recentes também foram criticados. Entre eles, Moana (2016), que conta a história de um povo insular do Pacífico. Um dos pontos de crítica é que a Disney mesclou a cultura de vários povos do Pacífico num só.

"Eles tentam apagar nossas realidades culturais para nos mercantilizar", diz Keala Kelly.

"Quando a Disney vai à Colômbia (Encanto) ou à Escandinávia (Frozen) ou ao Havaí e ao Pacífico (Moana, Lilo e Stitch) e descontextualiza e desmantela as culturas originais locais, eles estão escolhendo a cereja do bolo", acrescenta.

"Eles vêm, fazem a autópsia e arrancam o órgão de que precisam, o transplantam para sua versão Frankenstein sobre nós e alimentam a plateia com esses personagens infantis bonitinhos. É esse o processo, é um apagamento industrial de povos e culturas indígenas e marginalizados." Em sua visão, "a apropriação cultural é o oposto da apreciação cultural".

A Disney chegou até a agir legalmente para proteger os lucros sobre as culturas que retratou. Após o lançamento de O Rei Leão em 1994, a empresa registrou a frase "Hakuna matata" ("sem preocupações", em tradução literal do suaíli, ou "sem problemas", na versão brasileira do desenho) – como marca.

A companhia recebeu uma marca registrada para impedir que a frase fosse usada em roupas e sapatos em 2003. Antes do remake do filme, em 2019, ativistas lançaram uma petição para que a Disney cancelasse a marca registrada, acusando a empresa de explorar uma cultura estrangeira.

Novas colaborações para narrar histórias

A Disney vem reconhecendo seus erros progressivamente e parece ter entendido sua responsabilidade ao representar outras culturas. A plataforma "Stories Matter" ("Histórias importam") da empresa discute vários erros do passado. Ao mesmo tempo, promove sua visão para filmes futuros.

A empresa de produção também está trabalhando em cooperação com membros das culturas retratadas em seus filmes mais recentes.

Para Frozen II, por exemplo, representantes da população Sami – antigamente conhecidos como Lapões – receberam um contrato da Disney para preservar os direitos autorais de sua cultura, e trabalharam com os cineastas para garantir um retrato respeitoso da população nativa europeia cujos cerca de 80 mil habitantes vivem no Círculo Ártico do continente, em países como Finlândia, Noruega, Rússia e Suécia.
 


Em "Encanto", a jovem Mirabel é a única da família sem poderes especiais / Reprodução/Disney

Os produtores de Encanto também trabalharam de perto com artistas e artesãos Zenú para criar uma representação autêntica da cultura pré-colombiana.

"Minha participação no filme Encanto da Disney foi fornecer informações sobre o trabalho com a fibra da cana-de-açúcar, a história do Sombrero Vueltiao em nossa comunidade Zenú e acessórios feitos de caña flecha [uma fibra de cana local]. Anos de trabalho nos deram reconhecimento como mestres artesãos representando a cultura do Sombrero Vueltiao", explica o local Reinel Mendoza.

Mas, para a cineasta Keala Kelly, esse tipo de colaboração não é suficiente, já que não conta a integralidade da história desses povos. "Na Colômbia, tantos povos indígenas são mortos por defenderem seus direitos. Você acha que isso será visto em Encanto, quando retratam partes espirituais e culturais de sua indigeneidade?"

"Chamamos o que a Disney e Hollywood fazem de branqueamento", acrescenta a ativista. "Tudo é alterado e rearranjado para que eles possam contar o conto de fadas. Essa é a narrativa americana sobre os povos indígenas. Entretenimento cultural sem culpa, falsificado e diluído."