O ativista e autor jamaicano Marcus Garvey acertou em cheio quando escreveu que "um povo sem conhecimento de sua história, origem e cultura é como uma árvore sem raízes". A colonização é, portanto, o desmatamento de toda uma população – um processo cruel, que quase extinguiu povos como o do Havaí.
Ao longo dos anos, o pequeno arquipélago banhado pelo Oceano Pacífico foi explorado política, geográfica e economicamente por diferentes grupo de colonizadores, mas os Estados Unidos são seu maior algoz.
O primeiro registro de um estrangeiro a pisar em terras havaianas foi do capitão britânico James Cook, em 1778.
A chegada dos colonos deixou muitas ruínas entre a população local. Historiadores acreditam que quase 700 mil pessoas viviam no Havaí antes de as primeiras embarcações europeias chegarem trazendo guerras e doenças, o que levou à eliminação de quase 90% da população local em menos de cem anos.
Quando os EUA assumem o controle do território, os povos originários naqueles momento eram compostos por menos de 9 mil indivíduos. Ou seja, haviam experimentado um genocídio.
No final do século 19, com a presença norte-americana, as ilhas do Havaí sentiram outro golpe duro: a proibição de sua língua em espaços públicos.
Nesse momento, os EUA deram um golpe que destituiu a última monarca havaiana, em 1898, para anexar o arquipélago e fortalecer seus interesses
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Ou seja, não bastasse seu número extremamente reduzido, os donos da terra do Havaí foram proibidos de falar em público a língua havaiana, que é exclusivamente oral.
"Nossas tradições e aprendizados sempre foram passadas de geração a geração por cantos e contos porque a escrita havaiana é uma invenção europeia", explica ao Brasil de Fato o diretor executivo do Museu de Kauai, Chuck Boy Chock. "Quando nos proibiram de falar a nossa língua, toda a nossa cultura morreu junto – ou pelo menos era essa a intenção".
De fato, quando o Havaí se tornou o quinquagésimo e último estado dos Estados Unidos, a língua havaiana estava praticamente extinta. Algumas famílias mantinham, a portas fechadas, o hábito de falar sua língua. A organização dessas famílias, junto com um levante do nacionalismo havaiano, fez frente às imposições estadunidenses.
Por anos, os nativos tentaram aprovar junto ao Departamento de Educação a inclusão do idioma havaiano como língua opcional nas escolas locais. Sem a aprovação federal, a população criou suas próprias escolas independentes, com o único objetivo de ensinar o idioma havaiano.
O projeto foi tão bem sucedido que o governo não pôde ficar indiferente. Em 1970, a língua havaiana passou a ser reconhecida como idioma oficial, junto com o inglês. Na prática, o inglês é a segunda língua: "as crianças aprendem o nosso idioma dos 3 aos 6 anos, e só então são ensinadas o inglês. Nessa primeira infância, porém, é só havaiano", diz Chucky.
Num efeito dominó, o resgate da língua trouxe à tona outros fragmentos da história local. O Museu de Kauai, por exemplo, redescobriu técnicas de construção do período pré-colonial e também reviveu algumas de suas crenças, como a agora mundialmente famosa Hoʻoponopono, uma prática de reconciliação e perdão.
"Essa força está no nosso DNA, é do que somos feitos. Difícil explicar para quem não conhece o Havaí ou a nossa cultura", continua Chucky, "mas estamos sempre de braços abertos para receber a todos – é o nosso aloha".
A palavra usada à exaustão como um simples cumprimento, um mero "olá", na verdade é mais profundo que isso. Aloha é amor; é respeito. "E não apenas com as pessoas, mas com a terra. Para o povo havaiano, a conexão com a natureza é sagrada", explica o diretor do museu.
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Essa luta pacífica do povo havaiano pela soberania de sua cultura é talvez um dos maiores atrativos da região, que junto a suas praias paradisíacas atraem milhões de turistas todos os anos.
Só a pequena ilha de Kauai, que conta menos de 73 mil habitantes, recebe, em média, 30 mil visitantes por dia – e a tendência é que esse volume cresça.
Hoje, a população das ilhas do Havaí soma 1,4 milhão de pessoas, sendo que desse total, de acordo com os dados mais recentes, 690 mil se declararam descendentes dos povos originários.
Os havaianos veem com entusiasmo e apreensão o assédio dos turistas. Por um lado, gostam de compartilhar suas belezas e ensinamentos, mas lamentam que nem todos os visitantes sejam cuidadosos com o meio ambiente e as tradições locais, e que o dinheiro empurre para longe aqueles que são, de fato, donos da terra.