O de cima subiu e o de baixo desceu. Durante a pandemia do novo coronavírus a desigualdade aumentou em todo o mundo. No Brasil, 10% da parcela mais rica da sociedade detinha 58,6% da renda nacional em 2019. Hoje, concentra 59%.
Por outro lado, os 10% mais pobres dos brasileiros tinham 10,1% da riqueza. Em 2021, 10%. Os dados, que são do relatório The World Inequality Report 2022, divulgado na primeira semana de dezembro, ainda mostram que 1% dos mais ricos dos brasileiros são donos de metade da riqueza nacional, enquanto a metade mais pobre detém menos de 1% da riqueza.
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Segundo o documento, o Brasil é o segundo país mais desigual da América Latina, atrás apenas do Chile. No grupo das 20 maiores economias do mundo, o G-20, o Brasil também fica em segundo lugar, atrás da África do Sul. No ranking mundial, o país está em 11º, atrás de Chile, África do Sul, República Central Africana, Moçambique, Namíbia, Zâmbia, Guiné Bissau, Botsuana, Zimbábue, Iêmen.
Inflação, desemprego e taxa de juros
Para o próximo ano, as expectativas são de aprofundamento das desigualdades, principalmente no Brasil. Segundo David Deccache, diretor do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento, doutorando em Economia pela Universidade de Brasília (UnB) e assessor na Câmara dos Deputados, a combinação entre altas de desemprego, inflação, taxas de juros e implementação de políticas neoliberais cria a tempestade perfeita para o agigantamento das distâncias entre as classes sociais.
“A gente tem uma tendência de alta muito forte na taxa de juros, a taxa Selic. A previsão do mercado para próximo ano é de uma taxa Selic de 11,5%, ou seja, os mais ricos que conseguem ter rendimentos atrelados à Selic vão ganhar muito dinheiro, ao passo que os trabalhadores que vivem de salário estarão uma situação muito ruim, com esse desemprego elevado, salários baixos e inflação alta”, afirma Deccache.
O pesquisador explica que a taxa de juros elevada, além de favorecer os mais ricos, que vivem de juros, prejudica a geração de empregos. Isso porque gera estímulo para investimento no mercado financeiro, em detrimento de investimentos na economia real, como a indústria.
“Você gera um desestímulo ainda maior para investimentos na economia real, fora que não há nenhum tipo de políticas econômicas voltadas ao crescimento econômico. Então essa tendência aponta para um aprofundamento das desigualdades: melhora as condições dos que estão protegidos por uma taxa de juros elevadíssima, e piora brutalmente a situação dos pobres, que já está muito ruim.”
Soma-se a isso a inflação. Em novembro deste ano, o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), principal medidor da inflação no país, acumulou uma alta de 10,74% contando os 12 meses anteriores. É o maior registro desde novembro de 2003, quando a inflação bateu 11,02%.
A alta foi puxada, principalmente, pelo aumento nos preços dos combustíveis, uma vez que no Brasil o principal meio logístico para a distribuição de alimentos são as rodovias. Nos últimos meses, a gasolina acumulou uma alta de 50,78%; o etanol, de 69,40%; e o diesel, de 49,56%.
Concretamente, em um ano, o “prato feito” subiu praticamente o triplo da inflação, segundo um levantamento feito por Matheus Peçanha, pesquisador e economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE): 22,57% no acumulado de 12 meses diante de 8,75% do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) no mesmo período.
Nesta conta, entre os que tiveram uma alta no preço, estão arroz (37,5%), tomate (37,24%), carne bovina (32,69%), frango inteiro (22,73%), feijão preto (18,46%), ovos (13,5%) e alface (9,74%).
O desemprego também bateu recorde. Entre janeiro e junho, foram 14,7% da população economicamente ativa sem ocupação. Foi o maior índice registrado desde 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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Nesse cenário, as expectativas de crescimento são baixas. “O PIB está sendo registrado, semana após semana, para baixo desse ano. Já é a décima revisão para baixo do PIB nesse ano. Para o PIB do ano que vem, o mercado aposta em uma estagnação ou um crescimento muito pequeno, de 0,5%, ou seja, não tem possibilidade de uma retomada do emprego no país”, afirma Deccache.
O "índice de miséria" no Brasil atingiu 23,47 pontos em maio, dado mais recente, no maior valor desde o início da série histórica, em março de 2012. O recorde negativo foi puxado por aceleração da inflação, aumento do desemprego e do custo de vida e queda da renda.
Políticas neoliberais
Deccache explica que o aprofundamento das desigualdades sociais não é uma tendência atual. Com as políticas neoliberais implementadas pelo mundo a partir de meados da década de 1980, como a baixa tributação dos mais ricos, a redução dos gastos sociais com bens e serviços públicos, houve um “desmonte do estado de bem-estar social”.
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No Brasil, já havia uma crise econômica “profunda” desde 2015, quando se observa a “construção de um projeto econômico de mercantilização generalizada de todas as esferas públicas e de manutenção de altos níveis de desemprego e informalidade no mercado de trabalho. Isso tudo empobrece a classe trabalhadora de forma cruel”, afirma.
“A gente já vinha numa perspectiva de piora mesmo antes do Bolsonaro, quando se torna muito acelerada. A gente chega na pandemia com o conjunto da sociedade muito vulnerável, com baixa proteção social. Soma-se a isso um presidente negacionista. E aí se tem tempestade perfeita.”
Edição: Leandro Melito