Achou que ia entrar em cana, mas não foi isso que aconteceu
Furreca era como a gente chamava carro velho, de pouco valor. Eu tive uma meio assim, e brincava:
- Vocês acham que meu carro não vale nada, mas ele nunca me deixou na rua...
E complementava:
- Eu é que deixei ele na rua muitas vezes... O desgraçado vive quebrando.
Um colega de trabalho, que era mecânico nas horas vagas, quis comprar essa tranqueira e eu propus:
- Troco por cinco caixas e meia de cerveja.
Ele quase não acreditou, era um dinheirinho à toa, minha furreca valia muito mais. Mas eu queria me livrar dela e daria de graça, se ele pedisse.
Meu amigo Luizinho teve uma furreca muito pior do que a minha. Um carro caindo os pedaços. Um dia, no final da tarde, ele ia pela avenida Paulista, em São Paulo, o trânsito estava bem ruim e ele resolveu voltar. Fez uma conversão proibida para retornar, ainda por cima furando o sinal vermelho, e logo ouviu o apito de um guarda de trânsito, que fazia sinal pra ele encostar o carro.
O guarda olhou o carro com ar de surpresa, de tão esbodegado que ele era. Examinou pneus, pediu pra abrir o porta-malas, examinou mais um pouco, pediu pro Luizinho ligar o pisca-pisca, e falou em tom irônico:
- Olha, rapaz... Tem tantos problemas que nem sei por onde começar as multas. E foi listando.
1. Furou o sinal vermelho.
2. Fez uma conversão proibida.
3. Não deu sinal de que pisca-pisca pra virar... Aliás, isso já é uma multa a mais, a de número 4, porque o pisca-pisca não funciona.
5. Tinha que estar com a lanterna acesa, porque já está escurecendo, mas ela está apagada.
6. Os pneus estão totalmente carecas, você não pode trafegar assim.
7. Não tem pneu de estepe.
8. Não tem triângulo.
Ia falar mais alguma coisa, mas o Luizinho se adiantou:
9. O carro não tem documentos.
10. Eu não tenho carteira de motorista.
11. Essas multas todas são mais do que o valor do carro.
12. Pode ficar com ele que eu vou embora a pé.
E foi saindo, mas o guarda o chamou de volta. Achou que ia entrar em cana, mas não foi isso que aconteceu.
O que o guarda disse foi isso:
- Tá na hora de eu parar o trabalho, tô louco pra ir pra casa. Se for esperar o guincho vou atrasar muito. Pega essa porcaria e some daqui!
Dali uns dias, soube que ele tinha vendido o carro pra um ferro-velho.
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Durão Coelho