A história da escola é um reflexo de um processo de luta, de necessidade das famílias
No Assentamento Jacy Rocha, a produção agroecológica só é possível graças a um pilar: a educação popular. Em dez anos de história, a comunidade onde vivem 267 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se tornou referência em agroecologia no extremo Sul da Bahia.
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Por lá, a produção de alimentos saudáveis se firmou como uma bandeira depois de um marco: a criação da Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto, em 2012.
"Eu sempre me apresento como mulher, feminista, negra, mas principalmente como agroecóloga, que é o que me dá uma profissão, que me faz trazer o pão para dentro de casa", conta a agroecóloga Neuza de Jesus, que se formou na primeira turma do curso de Técnico Médio em Agroecologia, iniciada em 2017.
Mãe solo com 38 anos e três crianças, ela vive no Assentamento Irmã Dorothy, em Eunápolis (BA). Á área, ocupada somente por mulheres, surgiu após a Jornada de Lutas das Mulheres Sem Terra, em 2011, como parte de um projeto construído pela Egídio Brunetto.
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"Você vai na escola para ser a escola. Além de carregar ela para todos os lugares que você vai, ela te faz sentir parte daquilo. Então, eu sou muito grata de fazer parte de tudo isso. Vou voltar em outros cursos e que minhas filhas também consigam alcançar todo esse conhecimento", completa.
Hoje, há 15 assentamentos do MST no sul da Bahia. Eles abrigam 1,5 mil famílias na região, que estão espalhados entre cinco municípios: Eunápolis, Itamaraju, Mucuri, Prado e Santa Cruz de Cabrália. Todos se utilizam do conhecimento gerado no Jacy Rocha.
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“A história da escola é um reflexo de um processo de luta. De necessidade das famílias. Ela surgiu como uma ferramenta de formação, de reflexão a partir das necessidades concretas das famílias. Então aqui é um espaço onde as famílias vêm refletir sobre quais são suas dificuldades concretas na construção dos assentamentos agroecológicos", explica o coordenador Felipe Campelo.
Escola e transformação comunitária
A metodologia da Egídio Brunetto tem quatro vertentes centrais: a produção, a comercialização, e os eixos ambientais e sociais. São alguns tipos de cursos oferecidos. Em parceria com a Fiocruz, a Especialização em Educação do Campo e Agroecologia já formou 48 pessoas em sua primeira turma.
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O Técnico Médio em Agroecologia, com duração de um ano e meio, é reconhecido pela Secretaria de Educação da Bahia, e voltado para jovens que terminaram o ensino médio. Os estudantes passam 15 dias na escola, e 15 dias na sua comunidade. É a chamada Pedagogia da Alternância.
"A gente desenvolve questões que podem ser respondidas a partir dos conhecimentos seculares dos pais, dos avós, e da própria observação do aluno sobre a comunidade", completa Campelo.
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Hoje, depois de formada, Neuza integra uma equipe composta por biólogos, agrônomos e técnicos em agropecuária, para orientar as famílias no processo de transição agroecológica no Assentamento Irmã Dorothy.
"Para ser agricultor familiar, você primeiro tem que comer para depois você vender. E isso a gente tem conseguido fazer aqui no assentamento. Só o fato de eu não precisar comprar carne até o meio do ano que vem, é uma folga pra esse bolso", destaca a agricultora.
"É uma alegria muito grande você tirar o sustento do seu lote. E esse sustento ser agroecológico", completa.
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Cursos populares
Os espaços pedagógicos na Egídio Brunetto também são fundamentados nos quintais produtivos das famílias, onde os sistemas agroflorestais são a base fundamental.
É onde estão inseridos os cursos populares não formais, que voltados às produções desenvolvidas nos lotes -- como é o caso do cultivo do café, da pimenta, e de outras fruticulturas.
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"Eu trabalho aqui e quero levar essa experiência também pro meu lote, quero plantar 3000 pés de café, fazer esse mesmo modelo igual aqui da escola, porque aqui eu vi no dia a dia que deu certo, né. Isso é bom pra levar para minha família e também para outros companheiros", conta o jovem agricultor Iago Alves, que maneja o café no lote coletivo da escola.
Alfabetização
Mas a escola vai além dos ensinamentos em torno da produção de alimentos saudáveis: é também um polo de alfabetização no extremo Sul do estado. Por lá, cerca de 800 famílias da região aprenderam a ler e escrever.
A alfabetização em massa foi consolidada a partir da união de duas metodologias: o método cubano "Sim eu posso" e os círculos de cultura.
“Se a gente está falando de uma formação que permita que as pessoas, que esses sujeitos sociais eles tenham autonomia e protagonismo, então, se eles não sabem ler, eles não conseguem”, explica Meiriely Oliveira, do Setor Pedagógico da Egídio Brunetto.
A região do extremo Sul da Bahia, conhecida como Costa do Descobrimento, guarda uma herança colonial de conflitos fundiários e de escravização de povos indígenas e de negros vindos sequestrados da África.
Hoje, a área é caracterizada pela presença de reservas extrativistas e de muitas comunidades quilombolas e indígenas, que conflitam com o interesse dos grandes latifundiários.
Eucalipto x conhecimento
Com a construção da BR-101, a Mata Atlântica foi amplamente devastada. A partir daí, nos anos 1990, chega com força o monocultivo do café e, principalmente, do eucalipto e suas grandes empresas estrangeiras -- como a Storaenzo, a Fibria, e a Suzano.
"Você não via pessoas no eucalipto, você só via um tipo de árvore", relembra Felipe.
Na época, a instalação da monocultura impôs uma reação do MST. E a resposta foi também ocupar essas terras. Foi nesse contexto de conflito que se expandiram os acampamentos na região, e com eles, a expansão do conhecimento.
Em toda a região, o movimento preserva hoje 52 escolas dentro de assentamentos da Reforma Agrária. No Jacy Rocha, além da Egídio Brunetto, funciona a Escola Estadual do Campo Anderson França, onde estudam 490 crianças da comunidade.
"Foi se desenvolvendo com essas comunidades um processo de alfabetização, mostrando símbolos linguísticos, leituras desse mundo, dessas contradições que a gente vive, desse sistema capitalista que tanto nos oprime" finaliza a educadora Meiriely Oliveira.
Edição: Lucas Weber