Médico de formação, mas latifundiário por herança e “tradição”, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM-GO), ilustra como poucos a ascensão da bancada ruralista no Congresso. O fundador da União Democrática Ruralista (UDR) é, desde os anos 80, um dos principais porta-vozes dos latifundiários na guerra – por vezes, literal – contra a reforma agrária e os povos do campo. Não à toa, ele foi um dos mais emblemáticos personagens lembrados por De Olho nos Ruralistas desde sua fundação, em setembro de 2016.
Em comemoração ao aniversário do observatório, cada Unidade da Federação ganha um balanço específico do que publicamos nos últimos cinco anos. Goiás é o primeiro estado do Centro-Oeste na retrospectiva. O vizinho Tocantins foi o último estado da região Norte a ser retratado, depois de Pará, Amapá, Amazonas, Roraima, Acre e Rondônia.
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Os primeiros foram os estados do Sul: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Depois foi a vez do Sudeste, pela ordem: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Os estados nordestinos da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão deram sequência à série, que se encerrará com Distrito Federal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Caiado foi figura central nos anos 80, à frente da UDR
Caiado está entre os políticos que mais recebem dinheiro de empresários do agronegócio. Nas últimas eleições, em 2018, Alexandre Funari Negrão, ex-piloto de automobilismo e pecuarista em Nova Crixás, mesmo município onde o senador detém 1.874 hectares, encabeçava a lista, com R$100 mil. Xandy é dono da Fazenda Conforto, de 12 mil hectares, uma das maiores referências em confinamento bovino no Brasil e principal fornecedora de gado para a JBS, com 90 mil bois abatidos por ano: “Responsável por popularizar termo ‘ruralista’, Caiado tem 14 fazendas em Goiás".
A influência de Ronaldo Caiado no meio latifundiário foi consolidada ao longo de cinco mandatos representando os interesses do setor na Câmara e mais um no Senado. Mas vem de sua atuação à frente da UDR. Criada em 1985 como uma resposta da elite rural contra o surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a organização é dona de um passado sombrio.
Entre as vítimas da UDR, a grande responsável pela popularização do termo “ruralista” (antes usado bem mais esporadicamente, conforme levantamento do De Olho), a mais famosa é o líder extrativista Chico Mendes, citado na retrospectiva do Acre. O tiro de escopeta que matou um dos maiores símbolos da luta pela reforma agrária foi encomendado por Darly Alves, representante da associação.
Inimigos do ambiente, goianos ganham protagonismo na FPA
Apesar do protagonismo notório de Caiado como ruralista, ele não é o único goiano na Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Seu adversário derrotado na corrida pelo governo, Daniel Vilela (MDB), também pertence ao braço institucional da bancada do agronegócio, que hoje possui 280 membros. Vilela é filho do ex-governador Maguito Vilela (MDB), ex-prefeito de Aparecida de Goiânia e dono de terras em Jataí.
Outro político que ganhou destaque no observatório foi o deputado estadual Virmondes Cruvinel Filho (Cidadania-GO), o Virmondinho. Ele é o autor da emenda que flexibilizou o licenciamento ambiental no estado, ao instituir a modalidade de Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC): “Projeto de lei em Goiás antecipa ‘licenciamento flex’ e retira proteção de campos essenciais ao Cerrado“. De caráter auto-declaratório, o LAC dispensa a necessidade de emitir licenças prévias junto aos órgãos ambientais estaduais e municipais.
O projeto, cuja tramitação no legislativo foi acelerada, revogou a Lei Estadual nº 16.153, de 26 de outubro de 2007, que equipara os campos de murundus, uma das vegetações típicas do bioma, à categoria de Áreas de Preservação Permanente (APP) para fins de licenciamento ambiental. Saiba mais sobre a alteração aqui. O texto original é de autoria do presidente da Assembleia Legislativa de Goiás, Lissauer Vieira (PSB), e do líder do governo goiano, Bruno Peixoto (MDB). Ele antecipou a proposta federal que pretende flexibilizar as regras de licenciamento ambiental em todo o país.
“Médium” condenado por estupro é dono de duas fazendas no estado
Em 2018, De Olho nos Ruralistas descobriu onde ficam duas propriedades rurais de João Teixeira de Faria, o João de Deus, com incidência em área pública. Dois anos antes, o suposto médium curandeiro foi condenado a quarenta anos de prisão pelo estupro de centenas de mulheres.
A Fazenda Vista Alegre, em São Miguel do Araguaia, na fronteira com o Mato Grosso, tem 2.893,10 hectares e uma peculiaridade: 38,79% dela, mais precisamente 1.122,25 hectares, ficam na Floresta Estadual do Araguaia, conforme dados registrados em 16 de novembro de 2016 no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
O “médium” é dono também da Agropecuária Loyola, conhecida como Fazenda Dom Inácio, em Anápolis (GO). Em 2010, a Secretaria do Meio Ambiente outorgou por doze anos a ele o uso das águas de uma vertente do Córrego Pianco, para acumulação de água em uma barragem: “João de Deus desmata Cerrado em fazenda na Floresta Estadual do Araguaia“.
Temer foi acusado de grilagem em reserva de Alto Paraíso
Protagonista de uma contrarreforma agrária no Brasil, o ex-presidente Michel Temer também já teve uma fazenda no estado. A propriedade fica em Alto Paraíso de Goiás, na região de Chapada dos Veadeiros – a 230 quilômetros de Brasília. A história é contada no livro “Partido da Terra” (Contexto, 2012), de Alceu Luís Castilho, que assina a reportagem “Entenda a relação de Temer e Coronel Lima com o universo agropecuário".
O emedebista foi acusado de tentar abocanhar 2,5 mil hectares da maior RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) do Cerrado, em Campo Alegre, de 7 mil hectares. Segundo o presidente da Associação Ecológica Alto Paraíso (que administra a RPPN), Alyrio Lima Costa, Temer tinha apenas 40 hectares de posse. Depois a alterou para 746 hectares. Mais tarde, para 2,5 mil hectares. E, por fim, tentou dobrar a área – com os 2,5 mil hectares da reserva – por meio de uma ação de usucapião.
A posse deixou de aparecer na lista de bens do político ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2006. Em 1998, presidente da Câmara dos Deputados, ele declarou “direitos possessórios” de metade da área, de aproximadamente 500 hectares. O valor declarado foi de R$ 48.578,09. Em 2002, esse item se repetiu em sua declaração eleitoral. Mas a essa altura ele tinha comprado de Luiz Antônio Schincariol a outra metade por R$ 10 mil. Em carta à editora Contexto, em 2012, Michel Temer informou que já tinha vendido a fazenda.
Em cinco anos, observatório expõe os donos do Brasil
A comemoração dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas tem ainda várias peças de divulgação, visando a obtenção de mais 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Assista ao vídeo do aniversário: