As elites brasileiras conspiram, conspiram, conspiram... e a democracia vira fumaça
Desde o fim do governo militar, prevaleceu no debate político brasileiro uma censura sutil a denúncias de conspiração. O denunciante, não raro, era exposto ao ridículo. A denúncia era interpretada como fantasia de uma mente febril, produto de uma espécie de “neurose de guerra” trazida dos campos de batalha da ditadura que durou 21 anos (1964-1985).
Depois de quase uma década de uma longa conspiração cujo tiro de largada foi dado em 2013 – com uma inexplicável explosão da ira popular vinda do nada num ano em que a popularidade do governo da presidenta Dilma Rousseff (PT) atingiu 63%, segundo pesquisa a Confederação Nacional da Indústria, e sua aprovação pessoal chegou a 79% – é chegada a hora de rever a postura suicida de resolver conspirações punindo o denunciante.
Enquanto a esquerda interditava as denúncias de conspiração, o Poder Judiciário conspirava contra o PT, contra Luiz Inácio Lula da Silva e contra Dilma Rousseff; o Legislativo conspirava com militares e o Judiciário para depor a então presidenta sem que ela tivesse cometido qualquer crime.
Já os militares conspiravam com a extrema-direita (nacional e internacional) para colocar um ex-capitão de maus modos na Presidência da República e usavam largamente seus órgãos de informação para produzir fatos político-eleitorais favoráveis ao seu candidato; os militares e o ex-capitão conspiravam para dar um golpe militar em 2021.
Os meios de comunicação, por sua vez, conspiravam com o Judiciário e o Ministério Público para botar Lula na cadeia, tirar Dilma do poder e eleger o ex-capitão de maus bofes, e agora conspiram para substituir o ex-militar de baixa patente por um ex-juizeco de decisões más e ligações inconfessáveis com o setor de informações dos EUA
Esse período em que a conspiração virou a regra fragilizou e relativizou a democracia brasileira.
As conspirações foram tantas – vindas do Legislativo, do Judiciário e das Forças Armadas, e potencializadas pela valiosa ajuda da extrema-direita internacional e de um presidente da República que desembarcou de paraquedas numa cadeira onde jamais poderia ter sentado – que foram banalizados os atos de censura e intimidação, o desrespeito a direitos fundamentais, o genocídio, as intervenções indevidas de um poder em outros poderes, a livre interpretação de regras eleitorais para ajudar aliados de ocasião, a injustiça cometida pela Justiça.
Houve um tal avanço sobre as instituições democráticas que eleger Luiz Inácio Lula da Silva (PT) presidente da República, nas eleições de outubro, tornou-se apenas o primeiro passo de uma tarefa insana: a redemocratização do país. Passados 34 anos da promulgação da Constituição e quase uma década de ataques constantes à democracia, a ação dessa elite brasileira tacanha recolocou, por vias tortas, a questão democrática como a tarefa número um da agenda política das pessoas verdadeiramente de bem.
A extrema direita usou todas as instituições democráticas brasileiras para desgastar a democracia. Hoje essa força política pode não ter votos suficientes para derrotar Lula, mas tem armas espalhadas por toda sociedade civil, com direito a farta munição; a militância de generais que se espalharam por toda a máquina de governo, não querem voltar para casa e têm enorme aversão a qualquer um que não seja um extremista de direita; manipula teorias conspiratórias (eles, sim) para uso de mobilização de suas forças civis e militares.
Há juízes em cada esquina dispostos a barrar opositores, colocando-os na cadeia ou inviabilizando suas vidas pessoais com penas pecuniárias injustas e impagáveis, sem que nenhum órgão de controle da magistratura atue para garantir direitos dos cidadãos contra eles; tem uma polícia que ganhou autonomia tal para prender e arrebentar que as vidas nas comunidades pobres, se monetizadas, não alcançam o valor de uma moeda, e a liberdade de opositores, independentemente da classe social, virou um direito relativo;
Existe um Poder Legislativo que sofre uma tal perda de organicidade desde a preparação do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff que se tornou o ambiente natural para proliferação de eleitos com baixa qualificação ética e intelectual, nenhuma inserção social e sem qualquer espírito público; um Supremo Tribunal Federal que, após trabalhar ativamente para tirar o PT do governo e imobilizá-lo eleitoralmente nas eleições de 2018 – ajuda fundamental na eleição de Bolsonaro – recuou no apoio à Operação Lava Jato, mas agora acena para a pior conformação do seu colegiado com as novas nomeações feitas pelo presidente de extrema-direita.
A destruição das instituições foi tamanha que a democracia, que parecia uma questão resolvida no Brasil, se esvai no ar como fumaça. A tarefa é torná-la sólida de novo. O trabalho da próxima década é desmontar uma conspiração que já dura nove anos.
*Maria Inês Nassif é jornalista e cientista política.
*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vinícius Segalla