DIREITOS HUMANOS

Em Campinas (SP), prefeitura derruba obra de creche comunitária na comunidade Menino Chorão

Ação ocorreu no dia 6 de janeiro. Denúncia de violação de preceitos fundamentais foi encaminhada ao Ministério Público

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Horta da creche Menino Chorão, que teve obras paralisadas pela prefeitura de Campinas - Pertim

Na manhã do dia 6 de janeiro, uma ação da Prefeitura Municipal de Campinas surpreendeu moradores da comunidade Menino Chorão, localizada na zona sul do município, no entorno do Aeroporto Viracopos. Contando com efetivo da Guarda Municipal, a Administração Municipal, chefiada pelo prefeito Dário Saadi (Republicanos), derrubou as obras do que se tornaria uma creche e uma biblioteca para as crianças.

A construção estava sendo erigida com recursos dos próprios moradores, que vivem em situação de vulnerabilidade social. Uma denúncia de violação de direitos humanos foi encaminhada em caráter de urgência ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), via Promotoria de Justiça.

Na denúncia, realizada pelo Fórum Municipal de Defesa dos Direitos Humanos de Campinas, o advogado responsável, Paulo Mariante, cobra também a instauração de inquérito para apurar os fatos, além de indenização pelos danos materiais causados à comunidade.

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A Secretaria de Habitação de Campinas, por meio do diretor Lucas Bonora da Silva, alega que procedeu a derrubada da obra “para evitar o surgimento e a consolidação de novos núcleos urbanos informais, bem como o adensamento dos núcleos urbanos informais já existentes em seu território” (leia mais em nota da prefeitura, ao fim desta reportagem). No entanto, como a edificação estava sendo construída em terra pertencente à União, Paulo questiona se a Prefeitura teria legitimidade para tanto.

Nesta quinta-feira (13), uma semana depois da demolição, o promotor de Justiça Daniel Zulian confirmou a instauração da Representação Civil (RC) 154/22. Também encaminhou um ofício solicitando mais informações à prefeitura.

Embate judicial

A região onde está a comunidade autodenominada Menino Chorão, no bairro Jardim Colúmbia 2, é de propriedade da União e estava em disputa judicial. A Aeroportos Brasil, empresa permissionária do Aeroporto Viracopos, entrou com duas ações, em 2013, pedindo a reintegração de posse contra moradores da região. O objetivo era que a área fosse concedida à expansão aeroportuária. 

As duas ações foram extintas, pois não existiu comprovação de que a área foi concedida à permissionária. As decisões foram confirmadas por unanimidade pela 1ª Turma do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Não houve, ainda, qualquer ordem judicial contrária à permanência dos moradores da comunidade Menino Chorão.

Pouco antes de ingressar com as ações, a Aeroportos Brasil chegou a derrubar casas de moradores na região, no bairro Cidade Singer, mesmo sem autorização judicial, constituindo uma ação ilegal.

A Prefeitura Municipal de Campinas não é parte das ações. O advogado Paulo Mariante questiona, por isso, qual é a legitimidade e o interesse do Poder Executivo municipal em realizar uma ação como a derrubada de um projeto de creche.

“Isso não poderia acontecer e por isso estou encaminhando para o Ministério Público a denúncia de violação de direitos humanos. Estamos pedindo, na denúncia, que o promotor oficie imediatamente o prefeito Dário Saadi sobre essa situação e pedindo que não o faça mais, além de instaurar um inquérito sobre a responsabilidade”, diz. 

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Obras supririam carência da comunidade

As obras, segundo a liderança da comunidade Menino Chorão, Maria do Carmo Sousa, mais conhecida como Carmen, estavam adiantadas, faltando apenas acabamentos. “Temos necessidade desse espaço. Estamos com muitas crianças pequenas e bebês. As crianças grandes correm e brincam, mas os bebês precisavam do espaço.

A sala seria como um berçário, e há uma grande demanda, não podemos deixar os bebês em qualquer lugar. Estávamos fazendo essa sala para isso. Só faltava cobrir e rebocar, estava praticamente construída, só faltavam os acabamentos. A comunidade necessita desse espaço”, relata. 

No imóvel, também haveria uma sala onde funcionaria uma biblioteca e três banheiros. Atualmente, Campinas tem um déficit de quase 6.000 vagas em creches, segundo dados da Secretaria de Educação de novembro de 2021. Na comunidade Menino Chorão, que é uma ocupação não regularizada, também há déficit de saneamento básico, de escola, de posto de saúde e de áreas de lazer. Recentemente, um mutirão realizado pela comunidade junto a parceiros instalou uma pracinha para crianças. 

O município de Campinas também possui uma fila de mais de 40 mil pessoas na Companhia de Habitação Popular (Cohab). Carmen é uma delas e aguarda há 17 anos a possibilidade de ingressar no programa de moradia popular. Natural de Fortaleza (CE), ela é uma das mais antigas moradoras do Menino Chorão e chegou em Campinas depois de ser vítima do tráfico de pessoas. Depois de conseguir fugir de uma rede criminosa de exploração de mulheres, ela começou a se dedicar para a prevenção de situações de violência contra a mulher. 

Enquanto aguarda o Poder Público cumprir o dever de prover direito à moradia, Carmen, junto a outras mulheres da comunidade, é responsável por projetos de conscientização contra a violência doméstica no Menino Chorão e buscam melhorar as condições de vida no local. Por meio de um projeto de agrofloresta implementado pela organização Pertim, por exemplo, as moradoras do Menino Chorão provêm segurança alimentar para dezenas de crianças e famílias.

Também construíram uma cozinha comunitária. Estimam que, se não fosse essa iniciativa, a situação da fome, problema que atinge a mais de 19 milhões de pessoas no Brasil hoje, de acordo com pesquisa da Rede Brasileira em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), seria ainda mais grave. 


Cozinha comunitária construída na creche Menino Chorão, em Campinas (SP) / Pertim

O projeto da horta também já sofreu uma ação da Polícia Militar e do Aeroporto Viracopos. Em setembro de 2021, cerca de sete carros da PM e um carro do aeroporto estiveram no local questionando as moradoras sobre o projeto. 

Demolição da futura creche 

Na ocasião da demolição da obra da creche pela Prefeitura de Campinas, Carmen estava em viagem. Ela relata que, no dia 30 de dezembro de 2021, recebeu mensagem de um vizinho avisando que um grupo da Prefeitura esteve no local. Segundo o diretor da Secretaria de Habitação de Campinas, Lucas Bonora da Silva, uma equipe esteve na comunidade nessa data porque havia recebido uma denúncia anônima sobre uma obra irregular.

Ele afirma que foi colocada uma “notificação administrativa na parede do imóvel em construção solicitando a imediata paralisação da obra ou a comprovação da sua regularidade junto ao Município, sob pena de demolição” e que “nenhum contato por parte dos responsáveis pela obra irregular foi realizado junto a Secretaria Municipal de Habitação”.

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Por isso, no dia 6 de janeiro de 2022, “sem qualquer oposição ou comprovação da regularidade da construção pelos seus responsáveis, no dia 06/01/2022, em observância ao disposto no Decreto Municipal nº 16.920/2010, os servidores da Secretaria Municipal de Habitação realizaram a demolição do mesmo”.

Carmen desconhece qualquer notificação, tampouco os vizinhos contatados por ela. A reportagem solicitou que a Secretaria encaminhasse fotografia ou o teor da notificação, mas foi orientada a preencher o pedido via Lei de Acesso à Informação. A previsão de resposta é o dia 29 de janeiro.

Carmen afirma que a obra proveria um serviço social que é negligenciado pela Prefeitura, e que estava realizando faxinas para, pouco a pouco, conseguir recursos para erguer o local. Moradores e parceiros, agora, cobram explicações e o ressarcimento dos danos materiais, pedido também cobrado pelo advogado da comunidade. 

Outro lado

Leia abaixo nota enviada pela Prefeitura de Campinas.

"A Secretaria Municipal de Habitação recebeu, no dia 30/12/2021, denúncia anônima de ocupação irregular no núcleo urbano informal denominado Loteamento Jardim Columbia.

Considerando o dever do Município de monitorar toda a sua extensão territorial para evitar o surgimento e a consolidação de novos núcleos urbanos informais, bem como o adensamento dos núcleos urbanos informais já existentes em seu território, a Secretaria Municipal de Habitação realizou vistoria técnica na área em questão.

Na vistoria supramencionada, realizada no dia 30/12/2021, os servidores públicos municipais constataram a procedência da denúncia realizada, ou seja, a existência de construção irregular no núcleo urbano informal denominado Loteamento Jardim Columbia.

No local, não foi possível identificar o responsável pela construção. Sendo assim, os servidores fixaram notificação administrativa na parede do imóvel em construção solicitando a imediata paralisação da obra ou a comprovação da sua regularidade junto ao Município, sob pena de demolição.

Nenhum contato por parte dos responsáveis pela obra irregular foi realizado junto a Secretaria Municipal de Habitação.

Nesse diapasão, sem qualquer oposição ou comprovação da regularidade da construção pelos seus responsáveis, no dia 06/01/2022, em observância ao disposto no Decreto Municipal nº 16.920/2010, os servidores da Secretaria Municipal de Habitação realizaram a demolição do mesmo.

Importante ressaltar que no local não funcionava qualquer escola, ONG ou entidade que prestasse assistência à comunidade, fatos estes confirmados, inclusive, junto a população local."

Edição: Vinícius Segalla