O Vale do Ribeira, no sul do estado de São Paulo, é uma das principais arenas políticas da família Bolsonaro. Desde a eleição do ex-militar em 2018, parentes e amigos vêm expandindo sua influência na região, seja no lobby pelo setor bananeiro ou na intermediação de contatos com o governo federal. Inicialmente focada em Eldorado (SP), onde Bolsonaro passou boa parte de sua juventude e onde ainda vivem seus irmãos, essa atuação vem migrando para um município vizinho, Miracatu. E não apenas na política.
A partir do Sistema Nacional de Cadastro Rural do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (SNCR/Incra), De Olho nos Ruralistas identificou três imóveis rurais em nome do advogado e policial militar Luiz Paulo Leite Bolsonaro, filho de Renato Antônio Bolsonaro, irmão do presidente. De pequeno porte, os sítios Kelin, Bonanza e Boa Vista somam 75,89 hectares, área equivalente à metade do Parque do Ibirapuera. Todos em Miracatu.
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Renato ganhou as manchetes na última sexta-feira (07), após o jornal carioca O Globo revelar que a prefeitura do município paulista, onde atua como chefe de gabinete, recebeu R$ 10 milhões em recursos federais provenientes das chamadas “emendas do relator”, base do chamado “orçamento secreto”. O irmão de Jair teria sido o principal articulador para a liberação das verbas, empenhadas nos últimos dias de 2021, entre 17 e 30 de dezembro. Assim como em outros municípios, o dinheiro aplicado em Miracatu foi, em grande parte, destinado para a compra de tratores e maquinário rural.
A atuação política do clã Bolsonaro no Vale do Ribeira foi tema de videoreportagens do observatório, que foi à região em 2018 registrar a influência de familiares do então candidato em Eldorado.
Confira abaixo uma delas:
Ministro diz que Renato Bolsonaro "não é eminência parda"
Criadas pelo Congresso em 2019 e aplicadas a partir de janeiro de 2020, as “emendas do relator” são um mecanismo pelo qual o relator da Lei Orçamentária Anual disponibiliza recursos a serem aplicados nas bases eleitorais de parlamentares sem a necessidade de prestação de contas, tornando-se a principal ferramenta de governabilidade de Jair Bolsonaro. Segundo dados da plataforma Siga Brasil, apenas em 2021 foram liberados R$ 16 bilhões em verbas do orçamento secreto, também conhecido como “Bolsolão” ou “tratoraço”.
As emendas RP-9 chegaram a ser suspensas pelo Supremo Tribunal Federal em novembro, mas tiveram sua execução autorizada pelo plenário da corte no mês passado, sob a justificativa de que seu cancelamento resultaria em “potencial risco à continuidade dos serviços públicos essenciais à população”.
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Enquanto isso, Renato Bolsonaro se movimentava. Com o sobrinho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), conseguiu uma emenda para compra de tratores para Miracatu. Os veículos, recebidos em 23 de dezembro, foram exibidos pelo prefeito Vinicius Brandão (PL) em vídeo republicado por Eduardo em suas redes sociais. Na legenda, uma provocação ao governador João Dória (PSDB):
— Agradeço ao Pref. Vinícius Brandão de Miracatu a gentileza do vídeo, pois sei que apenas com este gesto ele já vai contar com toda a antipatia possível do governador Agripino Dória. Conte comigo, Prefeito!
Candidato oficial do bolsonarismo em Miracatu, Brandão se elegeu com apoio direto de Renato. Na prestação de contas de 2020, o prefeito eleito declarou a “cessão de serviços de coordenador de campanha” pelo irmão do presidente, no valor de R$ 2.000,00. Antes, em 2018, ainda vereador, Brandão assinou um decreto legislativo concedendo ao amigo o título de “cidadão honorário miracatuense“.
A parceria foi retribuída com a indicação de Renato para a chefia de gabinete, abrindo espaço na agenda do alto escalão para o pequeno município de pouco mais de 20 mil habitantes. O “jeito suave” do político foi descrito pelo ministro da Cidadania João Roma, cuja pasta liberou R$ 9,5 milhões em verbas federais para Miracatu:
— Ele é irmão do presidente, mas ele tem legitimidade, trabalha lá no município. A função dele é essa mesmo. Se ele tivesse um escritório de lobby, aí havia um grande conflito de interesse. O ruim são as coisas nebulosas, as coisas escondidas. O cara não é uma eminência parda.
Sobrinho participou de reunião com Tereza Cristina e Nabhan Garcia
A livre circulação de parentes do presidente em Brasília não se resume a Renato Bolsonaro. Seu filho Luiz Paulo, em nome de quem aparecem as terras da família em Miracatu, mantém contato próximo com o tio Jair e com os primos. Em 2015, antes de iniciar na carreira de policial, o advogado paulista chegou a ingressar na política, se filiando ao PSC. O ato foi comemorado pelo primo Eduardo Bolsonaro: “Contra ideologia de gênero, indústria dos radares e PT”.
Em 16 de julho 2019, prestes a se formar na Academia da Polícia Militar de Goiás, Luiz Paulo foi a Brasília entregar em mãos o convite para sua cerimônia de diplomação. O encontro com o tio ocorreu durante a posse do Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano. No meio do pronunciamento, Bolsonaro chamou o sobrinho ao palco e se emocionou ao lembrar de seu tempo nas Forças Armadas.
Na agenda presidencial do dia consta ainda que Luiz Paulo participou de uma reunião com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o secretário de Assuntos Fundiários Luiz Antônio Nabhan Garcia, o presidente da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), Gilson Machado, e o jornalista negacionista Alexandre Garcia. Não há menção à pauta do encontro.
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No ano passado, Tereza e Nabhan voltaram a encontrar familiares do presidente. Em 13 de outubro, os dois acompanharam o presidente em cerimônia de entrega de títulos de terras para o bairro Vista Grande, em Miracatu. Além de Renato e do prefeito Vinicius Brandão, estavam no palco os deputados federais Hélio Lopes e Carla Zambelli e o deputado estadual Frederico d’Avila (todos do PSL).
Observatório mostrou negócios da família no Ribeira
Miracatu não é o único município onde Renato Bolsonaro atua. Em 2018, o irmão do presidente participou ativamente de carreatas e outros atos da campanha do empresário Valmir Beber à Câmara. Produtor de bananas no Vale do Ribeira, Beber recebeu 22.031 votos e só não foi eleito por causa da nova cláusula de barreira, que exige um mínimo de votos nominais.
Na época, De Olho nos Ruralistas foi à região e descobriu que o bananicultor fora condenado a um ano de reclusão por manter uma plantação em uma área de 19,5 hectares dentro do Parque Estadual Caverna do Diabo. A condenação foi substituída por uma pena que o obrigava a reparar o dano causado.
Mesmo derrotado, Beber continuou usando sua proximidade junto à família Bolsonaro para beneficiar o setor. Dias antes da posse, em dezembro de 2018, ele foi à Brasília pedir apoio aos produtores de banana do Ribeira. O investimento foi compensado logo nos primeiros anos de governo, com medidas para dificultar a importação de bananas do Equador e flexibilizar as regras de pulverização aérea de agrotóxicos em bananais.
Outro membro da família retratado pelo observatório, Theodoro da Silva Konesuk, é marido de Vânia Bolsonaro, uma das irmãs de Jair e Renato. De Olho nos Ruralistas repercutiu duas condenações por crimes ambientais. A primeira, de 2018, por invadir uma área pertencente ao quilombo do Bairro Galvão, em Iporanga, município vizinho de Eldorado. E a segunda, em 2020, por devastar a vegetação da reserva legal de uma fazenda que possui às margens do Rio Ribeira do Iguape, em Registro (SP).