A Prefeitura de São Paulo violou decisão judicial ao manter a contratação de funcionários indicados por políticos em cargos que deveriam ser ocupados por servidores concursados na secretaria Municipal de Educação.
O mais recente caso se dá na Comissão de Recebimento de obras e serviços de manutenção predial de unidades educacionais e prédios administrativos da pasta.
Para funções que deveriam ser executadas por engenheiros e arquitetos concursados, de acordo o Anexo II da Lei Municipal 16.414 de 2016, que criou o Quadro de Profissionais de Engenharia, Arquitetura, Agronomia e Geologia (QEAG), estão hoje trabalhando funcionários comissionados pela chefia da pasta da Educação.
Por meio de uma portaria de setembro de 2021, o secretário municipal Fernando Padula nomeou 24 técnicos para a comissão. Entre os nomes, no entanto, estão professores do Ensino Fundamental da rede municipal que não passaram por concursos públicos específicos para os cargos de engenheiros e arquitetos, além de funcionários comissionados que nunca foram aprovados em concurso público, segundo fontes que preferem não ser identificadas.
Decisões judiciais
Uma decisão judicial ainda de 2009 declarou inconstitucional trechos da Lei 14.660, de dezembro de 2007, que permitia a presença de funcionários comissionados para cargos de concursados em comissões, por ir contra o que determina a Constituição Federal.
O artigo 37 da Constituição determina que os cargos comissionados são direcionados somente às atribuições de “direção, chefia e assessoramento”, sem incluir atribuições técnicas, como de engenharia e arquitetura.
“Tais cargos não substanciam funções de direção, chefia e assessoramento e não são de provimento provisório, que visem a atender a uma situação especial, em que sobressai a confiança que deve existir entre o ocupante e o agente político superior, ou autoridade nomeante. Em segundo lugar, extrai-se o nítido viés técnico de cada um deles”, escreveu em sua decisão o desembargador Walter Almeida Guilherme, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), na época.
“Se ditos cargos não possuem, essencialmente, natureza de cargo em comissão de livre provimento, porque não de direção, chefia e assessoramento, não estão adstritos à confiança do governante e ostentam natureza técnica, devida à formação que é exigida de seus ocupantes e as atividades que irão desempenhar, tomar a lei cargos de livre provimento em comissão é buscar ladear a proibição da Constituição Federal que, no caso, é impositiva também para Estados, Distrito Federal e Municípios.”
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Em setembro de 2021, a desembargadora Maria Olívia Alves, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), para que a lei municipal fosse cumprida, determinou a contratação de concursados pela Prefeitura de São Paulo para cargos onde haviam comissionados.
Na decisão, Alves afirmou que “há indícios concretos de que, a despeito dos candidatos aprovados no concurso, as funções atribuídas pela legislação municipal aos profissionais de Arquitetura têm sido exercidas por servidores comissionados ou por empresas contratadas para esse fim, inclusive em número superior ao de vagas oferecidas no certame”.
Ainda segundo a desembargadora, tais “contratações emergenciais de empresas foram”, inclusive, “objeto de apuração de irregularidades pela Controladoria Geral do Município e que a situação narrada pelos agravados também deu ensejo à instauração de inquérito civil pelo Ministério Público do Estado de São Paulo”.
A despeito da decisão de Alves, o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), contratou engenheiros e arquitetos terceirizados, por meio a empresa SP Parcerias, para produzir laudos de 12 prédios da Prefeitura, no ano passado.
Mais recentemente, ainda em 2021, o promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital Fábio Ramazzini Bechara recomendou a exoneração de 31 servidores comissionados que estavam atuando em funções de arquitetos e engenheiros civis e agrônomos na Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL).
Na representação enviada ao TJSP, Bechara afirmou que a “Prefeitura Municipal de São Paulo adota a prática de contratar comissionados para exercer as atribuições de engenharia e arquitetura. Não há servidores suficientes na SMUL, demais Secretarias e Subprefeituras e há uma preferência por comissionados em clara burla ao instituto do concurso público”.
Incapacidade de gestão
Para o professor do Departamento de Gestão Pública da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV) Gustavo Fernandes, a contratação de comissionados para funções de trabalhadores concursados “mostra um pouco a fragilidade dos planos de carreiras”, afirma. “Começa com a falha de planejamento, em saber o que é necessário para atender a população agora, amanhã e depois de amanhã, como isso será feito e qual é quantidade necessária de recursos financeiro e humanos.”
“Isso envolve todo o processo em que eu tenho que saber qual é o contingente de pessoal que eu tenho hoje, que eu terei amanhã e depois de amanhã e quais são as funções para cada um desses servidores. E, assim, eu vou fazer um desenho da minha administração pública”, explica Fernandes.
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““Entendo menos como um caso clássico de corrupção e mais falha de gestão. Problema de planejamento: não tem o concurso público, tem uma função que precisa ser exercida e então colocam um outro funcionário. Essa falha de gestão acaba gerando uma perda da qualidade do serviço público, porque, no final das contas, se eu não sei a quantidade de pessoal correta para gerir o meu serviço, como é que eu vou conseguir oferecer um bom serviço?”, questiona o professor.
Em suas palavras, a situação é mais comum do que se imagina. “Isso é uma ocorrência clássica. Se você olhar nas outras prefeituras, infelizmente eu posso dizer com grande segurança que é daí para pior.”
Em fevereiro do ano passado, o Brasil de Fato já havia apontado para a contratação de comissionados, sem a realização de concursos públicos, o que gerou um déficit de engenheiros nas subprefeituras do município. Na ocasião, Giovanna Gamba, advogada e mestranda em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), afirmou que "a Prefeitura tem alegado falta de recursos, mas ela contrata comissionados constantemente. Há uma ilegalidade que consiste nessa sistemática de substituição de servidores próprios por contratações reiteradas de servidores comissionados que desempenham essas funções”.
Desvio de função
Segundo Carlos Ari Sundfeld, presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP), a legislação admite dois modelos de cargos na administração pública: efetivos e comissionados. Os primeiros são cargos de carreira e começam obrigatoriamente pelos concursos públicos. Os outros são destinados às nomeações, servindo às funções de diretoria, chefia e assessoramento.
“Então existem certas tarefas para as quais se criou cargos que serão providos com pessoas que cumprem estas tarefas. Mas só pessoas que ocupam estes cargos podem fazer aquelas tarefas? A questão é saber se uma certa tarefa foi reservada com exclusividade a uma certa carreira”, afirma Sundfeld.
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“Por exemplo, para representar a Prefeitura perante o Poder Judiciário é preciso ser procurador municipal. Quem não for procurador municipal não pode assinar uma petição no Poder Judiciário representando a Prefeitura. Por quê? Porque a lei diz que a representação perante o Poder Judiciário da prefeitura cabe apenas aos procuradores. Agora, na preparação do processo, existem muitas pessoas: estagiário, engenheiros para a produção de laudos técnicos, residentes, etc.”
Constatado o desvio de função, trata-se de ilegalidade do ato por ser praticado por agente não qualificado para isso, explica Sundfeld. “A atividade tem de ser cessada porque estariam produzindo atos que são ilegais.”
O que diz a Prefeitura de São Paulo
O Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria de Educação e a Prefeitura de São Paulo. Até a publicação desta reportagem, no entanto, não houve um retorno.
Edição: Vinícius Segalla