Acadêmicos e lideranças negras contestam, nas redes sociais, um artigo do antropólogo baiano Antonio Risério publicado na Folha de S.Paulo com o título "Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo".
Ao se referir à realidade estadunidense, Risério argumenta que negros praticam racismo contra brancos. Acusa ainda a esquerda, o movimento negro e a imprensa de reproduzir um "projeto supremacista" cujas vítimas seriam os não-negros.
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"O dogma reza que, como pretos são oprimidos, não dispõem de poder econômico ou político para institucionalizar sua hostilidade antibranca. É uma tolice. Ninguém precisa ter poder para ser racista, e pretos já contam, sim, com instrumentos de poder para institucionalizar o seu racismo", defende Risério.
O advogado e professor de direito Thiago Amparo foi uma das personalidades ligadas ao debate público sobre diversidade a contestar a tese construída pelo antropólogo:
Não existe racismo reverso. Racismo é sistema de poder - econômico, jurídico, midiático, social, físico - fundado na ideia de que não somos humanos. Nunca houve no Brasil negros com poder oprimindo brancos. Afirmar o contrário, com anedotas, é desonesto na medida em que é cruel.
— Thiago Amparo (@thiamparo) January 16, 2022
Ana Flávia Magalhães Pinto, professora de história e ativista dos movimentos negro e de mulheres negra, também criticou a veiculação do artigo:
Suspeito que quem pauta isso deve ter se frustrado em alguma situação banal envolvendo uma pessoa negra. Sim, essa acusação de identitarismo me soa muito a síndrome de sinhô/sinhá que não admite ser contrariado.
— Ana Flávia Magalhães Pinto (@anaflaviahist) January 16, 2022
Militante da Coalização Negra por Direitos, Douglas Belchior chamou Risério e a Folha de S.Paulo de racistas e convocou pessoas brancas antirracistas a se posicionarem contra o teor do artigo:
Dei essa entrevista na @folha em 2020. sigo cobrando a prática daqueles brancos que se dizem antirracistas. Respondam e calem seu irmão colunista e o jornal racista. Ainda sobre a Folha, como disse @Cecillia , “Não é polêmica. É lucro”https://t.co/bMRWzTISqc
— Douglas Belchior #TemGenteComFome (@negrobelchior) January 16, 2022
Subindo a tom da crítica, a artista e militante do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) Preta Ferreira fez uma série de tweets em que afirmou que racismo reverso não existe:
É agora aquela hora em que os pretos terão as melhores oportunidades ? É agora aquela hora que os brancos vão ter cota ??
— PRETA FERREIRA (@pretaferreira) January 16, 2022
O espaço dado pela Folha ao antropólogo foi alvo de críticas do filósofo, advogado tributarista e professor universitário Silvio Almeida:
E assim, esta postura de capanga faz com que algumas figuras tenham sempre um emprego/espaço garantido, ao passo que pessoas sérias têm seus textos pouquíssimo divulgados e se tornam, portanto, dispensáveis 👇🏿
— Silvio Almeida (@silviolual) January 16, 2022
Entre as personalidades que descontruíram a tese de "supremacismo negro", está a repórter da própria Folha de S.Paulo Victoria Damasceno:
Segundo: alguns negros serem ricos ou participarem da política não significa disporem de poder político e econômico para praticar racismo contra outros. Para isso, teríamos de falar de maioria e de um padrão histórico que se repete. Apagar a escravidão, talvez
— Victoria Damasceno (@damascenovic) January 16, 2022
Para Chico Alves, jornalista e colunista do UOL, dados sobre a realidade social brasileira são suficientes para encerrar o que chamou "falsa polêmica".
"Segundo o IBGE, entre os 10% mais pobres do Brasil, 75% são negros. Pela mesma fonte, negros também têm supremacia nos empregos informais - 47%, contra 34% dos brancos. População preta e parda é maioria também entre os que não têm acesso a esgoto: 42,8% contra 26,5%", escreveu.
Edição: Raquel Setz