No México, falta pouco para a realização do referendo revogatório que pode antecipar o fim do mandato do presidente Andrés Manuel López Obrador. O Instituto Nacional Eleitoral (INE) certificou que foram recolhidas as assinaturas necessárias para realizar a consulta. Na última segunda-feira (18), o INE validou as 2,758 milhões de assinaturas, equivalente a 3% do eleitorado mexicano, que apoiam a realização do referendo.
As assinaturas foram coletadas tanto por organizações opositoras de extrema direita, algutinadas na Frena - Frente Nacional contra Andrés Manuel López Obrador, como pelo movimento "Que siga a democracia", formado por apoiadores do presidente López Obrador. A realização do referendo na metade do mandato já era uma proposta de campanha de AMLO, que pretendia promover o mecanismo como uma forma de validar sua gestão.
Agora o poder eleitoral deverá organizar o processo que está previsto para o dia 10 de abril. Após sofrer um corte orçamentário de R$ 1,3 bilhão no orçamento de 2022, contudo, a justiça eleitoral afirma não ter os R$ 412,5 milhões que seriam necessários para organizar o pleito.
Caso a maioria dos mexicanos vote "sim" pela revogação do mandato, num processo com mais de 40% de participação, o presidente será deposto e novas eleições serão realizadas.
O processo é inédito na história do México e divide opiniões. Alguns críticos apontam que seria a luz verde para que López Obrador consolide sua liderança e do seu partido, o Movimento de Regeneração Nacional (Morena), no controle político do país. Além de ter vencido as eleições presidenciais em 2018, o Morena obteve a maior bancada no Legislativo e mantém sua presença com 280 cadeiras do total de 500 parlamentares, além de governar 11 dos 17 estados do país.
De acordo com diversas pesquisas de opinião, realizadas em dezembro de 2021, López Obrador possui entre 58% e 68% de aprovação após três anos de mandato, superando a popularidade dos seus dois antecessores Enrique Peña Nieto e Felipe Calderón, que chegaram à metade do mandato com uma média de 39% e 52% de aprovação respectivamente.
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Para o Partido Comunista, AMLO busca abrir o caminho para aprovar uma reforma eleitoral que inclua a possibilidade de reeleição para presidente. Atualmente a Constituição mexicana proíbe que um chefe de Estado exerça dois mandatos consecutivos.
"Existe uma verdadeira tramoia jurídica e política na pergunta ao mesclar o referendo com a revogação, porque se inclui a alternativa de que se possa ratificar a permanência do atual presidente, quando a revogação se refere apenas ao desejo de retirá-lo ou não do cargo", publica em artigo o ex-deputado pelo PCM Héctor Ramírez Cuéllar.
Já o filósofo e representante da Alba Movimentos no México Magdiel Sánchez Quiroz afirma ao Brasil de Fato que considera improvável que López Obrador tente a reeleição.
"Acho que ele não está disposto a assumir esse risco. Há uma ideia estabelecida na opinião publica, por força das correntes liberais, de que a reeleição é ruim. E López Obrador já disse várias vezes que quer passar para a história como um bom presidente", ressalta.
Quiroz chama atenção para o fato de que a direita tradicional mexicana não está empenhada no referendo revogatório, apesar de suas críticas ao atual presidente.
"Carlos Slim, considerado o homem mais rico do México, já afirmou que AMLO seria um presidente de transição, o que sugere que o empresariado sabe que ele é a figura necessária para pacificar e dar coesão à sociedade mexicana no momento", destaca.
Gestão contraditória
Apesar do apoio popular, López Obrador passou por uma série de polêmicas dentro do campo de esquerda mexicano durante seu mandato. Os temas mais delicados estão relacionados à agenda feminista, à falta de resolução do caso Ayotzinapa, assim como recebeu críticas no início da pandemia por suas declarações negacionistas sobre a covid-19.
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AMLO também é criticado por defender o processo de "Quarta Transformação (4T)" sem realizar mudanças profundas nas dinâmicas econômicas do país, mantendo uma relação próxima à Casa Branca e favorecendo grupos empresariais tradicionais mexicanos com seus projetos, como o Trem Maia — obra que pretende criar uma zona turística no sul do país, atravessando territórios indígenas.
"Acredito que [o referendo] é uma aposta do presidente para mobilizar sua base social, que dificilmente está com ele para além do voto. Ele é o único líder que permite a unidade do Morena. Nenhuma das figuras próximas a AMLO demonstrou que tem essa capacidade", analisa o filósofo mexicano.
Essas cisões se expressaram nas últimas eleições, realizadas em novembro do ano passado, nas quais o partido governante perdeu presença nos estados, apesar de manter a maior bancada na Câmara.
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O atual chanceler, Marcelo Ebrard, e a chefe de governo da Cidade do México, Claudia Sheinbaum, são os principais nomes cotados como possíveis sucessores do atual presidente, no entanto, até o momento nenhum dos dois deslanchou nas pesquisas de opinião.
O Partido Comunista defende que mesmo perdendo o referendo, com a maioria no Congresso, López Obrador poderia indicar um sucessor do Morena ao cargo com maior facilidade.
Já Quiroz afirma que não há clima nas ruas para a realização da consulta e prevê que o resultado pode ser o mesmo do último plebiscito realizado em agosto do ano passado, que questionava os mexicanos sobre a abertura de processos judiciais contra cinco ex-presidentes por crimes contra o Estado.
A consulta terminou com amplo apoio ao sim, mas uma participação de apenas 7% dos eleitores inscritos, equivalente a 6,5 milhões de pessoas.
Edição: Thales Schmidt