Fonte de renda, moradia, saúde, amigos, família. A lama tóxica de rejeitos da Vale devastou de diferentes formas a vida dos atingidos da Bacia do Paraopeba e do Lago de Três Marias, em Minas Gerais. Soterrou sonhos e projetos. Mas, no cenário catastrófico enfrentado após o crime, o denominador comum entre os atingidos é a busca incessante por justiça.
Para Cláudia Márcia Gomes, que perdeu o cunhado e também a propriedade no rompimento, essa conquista só virá da união dos atingidos. “Eu não luto só por reparação, luto principalmente por justiça e ela só será alcançada com a luta coletiva", afirma.
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Ela, que hoje integra três coletivos, entre eles a Comissão de Ponte das Almorreimas, relembra que em 2015 chorou por três dias seguidos por causa do rompimento da barragem da Samarco/Vale/BHP Billiton, em Mariana. “Se eu tivesse lutado por Mariana, Brumadinho não teria acontecido", lamenta. “Eu espero que eles sejam punidos, porque a nossa punição está sendo doída demais” completa.
Para Fernanda Perdigão, coordenadora do Fórum de Atingidas e Atingidos pelo Crime da Vale, além de ser um ponto de apoio para os momentos mais difíceis, a organização coletiva é a única possibilidade para os atingidos conseguirem enfrentar o sistema minerário. “Coletivamente é possível fazer diferença e impor à Vale que cumpra não só os acordos, mas que respeite os direitos fundamentais das pessoas”, aponta.
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“Se passar apenas pela luta individual a gente vai estar sempre com o sentimento de injustiça, é junto que a gente fica mais forte”, completa Fernanda, que também integra o coletivo Paraopeba Participa e o Comitê Popular da Zona Rural de Brumadinho.
Além do convívio cotidiano com as sequelas do crime, desde 2019 as comunidades atingidas denunciam que são perseguidas e ameaçadas pela mineradora, sobretudo aqueles que integram e organizam coletivos de luta por justiça.
:: Livro reconta fábula dos três porquinhos e o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho ::
Na avaliação de Dom Vicente Ferreira, da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (Renser), a perseguição contra as organizações é um sinal de que a luta está surtindo efeito. “Se deixarmos os agredidos sozinhos, a gente perde para o sistema. Precisamos estar sempre em rede”, pontua. “Se o poder que está nos matando é global, a força para combater esse projeto tem que ser a coletividade. Precisamos globalizar a nossa luta e solidariedade. Por isso, a estratégia da Vale é justamente nos fragmentar”, ressalta o bispo.
Depoimentos
"Resolvemos nos unir e lutar na coletividade para sermos, pelo menos, um pouco ouvidos. Pedimos união de todas as pessoas atingidas, para que juntos façamos ecoar a nossa voz, para que haja uma reparação justa, uma reparação humana. Porque crimes estão sendo cometidos um atrás do outro, não só pela empresa criminosa, mas por todos aqueles que deveriam nos defender."
Patrícia Passarela, da comunidade Taquaras, Esmeraldas
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"Precisamos caminhar juntos em comunhão, em missão. Povo unido jamais será vencido. Em oração, união, somando forças, apoiando uns nos outros, construiremos pontes que nos agregam, ao invés de muros que separam e dividem. Que a mãe de Deus e nossa querida Virgem Maria nos dê forças para enfrentarmos, resistirmos juntos essa realidade tão dura que é o crime da Vale."
Padre José Evair, da comunidade Aranha, Brumadinho
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"A gente não deve lutar sozinho porque a Vale é uma potência. E a gente sozinho se sente muito pequeno. O ditado mesmo já diz: uma andorinha sozinha não faz verão. Juntos, nós somos mais fortes. É tipo vareta de bambu, se pegar uma só, você quebra ela num instante. Mas se você juntar mais de uma, você não consegue quebrar. Ela enverga, mas não quebra."
Nair de Fátima Santana Silva, da comunidade quilombola Marinhos, Brumadinho
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Larissa Costa