Em julho de 2015, a Universidade Federal do Pampa (Unipampa) realizou concurso público para contratação de docente no campus São Borja (RS). Após constatar irregularidades durante o processo, a professora da instituição, Letícia de Faria Ferreira, que fazia parte da banca de seleção, fez a denúncia, que resultou na sua demissão, em 14 de janeiro deste ano.
Além dela, alguns candidatos que concorreram ao concurso também protocolaram denúncia de irregularidades e, a partir disso, foram abertos processos judiciais e administrativos que tramitaram na Justiça Federal, no Ministério Público Federal e na Comissão de Ética da universidade.
A fim de seguir com os procedimentos legais, na ocasião a docente recomendou averiguações aos órgãos competentes da universidade, sendo eles a direção do Campus São Borja, a coordenação do Curso de Ciências Humanas, a Comissão de Ética e a Ouvidoria da Unipampa.
:: Lula abre caravana com visita a universidade pública voltada a filhos de assentados ::
Apesar da denúncia feita pela professora e de alguns candidatos, a reitoria da Unipampa, à época, homologou o concurso e nomeou o candidato, desconsiderando a instância interna responsável pela apuração dos eventos do concurso. No entanto, a Justiça Federal suspendeu a nomeação. Após investigação, a Comissão de Ética da instituição deferiu a denúncia e recomendou a anulação do concurso.
Segundo o Sindicato dos Docentes da Universidade Federal do Pampa (Sesunipampa), a partir desse momento, a professora Letícia passou a responder por diversas intimações advindas da Administração e, em janeiro de 2018, o reitor Marco Antonio Fontoura Hansen acatou a denúncia da Comissão Permanente de Sindicâncias e Processos Administrativos Disciplinares (COPSPAD), orientando a penalização da servidora, através da demissão.
Em março de 2018, no dia 7, o sindicato e a assessoria jurídica realizaram audiência com o reitor, que, após grande pressão do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições ed Ensino Superior (Andes-SN) e demais pessoas da comunidade acadêmica, prometeu rever o caso.
Ainda conforme destaca a entidade, ao longo dos últimos anos, além de plenária realizada no Campus Jaguarão com apoio de discentes, docentes, técnicos/as administrativos/as e trabalhadores/as terceirizados/as, a situação contou também com acompanhamento jurídico do sindicato.
Para o sindicato, é preciso enfrentar esta arbitrariedade, pois põe em risco a lisura dos processos internos, que devem ser democráticos e imparciais, considerando apenas questões de cunho acadêmico.
Demissão decretada em meio ao recesso
“Desconsiderando todos esses fatores, a demissão da docente Letícia de Faria Ferreira foi decretada na última sexta-feira, 14 de janeiro de 2022, em meio ao recesso acadêmico e durante o período de pandemia. O processo estava parado desde 2018, após audiência com o reitor Hansen e, faltando poucos dias para prescrever, a comunidade acadêmica foi pega de surpresa com a notícia”, expõe o sindicato.
Os advogados dos escritórios Paese, Ferreira & Associados e da RCSM Advocacia, que atuam na defesa da docente, informaram que a reitoria da Unipampa justificou a demissão de Letícia com base no Regime Jurídico Único, acusando-a de “opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo ou execução de serviço” e de “valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública”, além da acusação de improbidade administrativa.
Na avaliação dos advogados, "é evidente que a conduta da docente não teve presente nenhum dos elementos apontados, pois a denúncia feita teve o intuito de apurar a lisura do certame que estava ocorrendo e foi encaminhada para a diretoria do campus e para a ouvidora, posteriormente”. Nesse sentido, na avaliação dos advogados, “justificar que a referida conduta representa a tentativa de obter proveito pessoal é uma ilação que não encontra respaldo nos fatos”.
:: Universidade Federal transforma bebida contrabandeada em álcool em gel no RS ::
A acusação de improbidade administrativa é ainda mais grave, pois ela tem repercussão na esfera penal “pela configuração, em tese, da prática de crime por parte da docente”. Dito isso, “o argumento que inaugura a acusação é de que a docente teria distorcido a verdade dos fatos ocorridos no concurso, induzindo a Administração Superior a falhas administrativas”, comentam.
A assessoria jurídica da Sesunipampa, que atua na defesa de Letícia, explica que deve haver remessa do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) ao Consuni (Conselho Universitário), o que não foi feito pela Administração. Devido a isso, “serão tomadas medidas para que o mais breve possível a justiça possa ser restabelecida". A instituição também pode reverter a situação retirando a demissão da docente.
Mobilização em defesa da docente
Em reunião com ampla participação da comunidade acadêmica, no dia 18 de janeiro, o Conselho do campus Jaguarão e a direção do mesmo campus pediram a revogação da demissão de Letícia Ferreira e que o caso passe pelo Consuni. Além disso, servidores/as e discentes do Campus Jaguarão decidiram paralisar todas as atividades até que a reitoria marque uma audiência com a comunidade acadêmica.
A mobilização de servidores, discentes e da seção sindical, resultou, de maneira vitoriosa, na convocação do Consuni para o dia 31 de janeiro. Com isso, o sindicato espera-se que a demissão seja anulada e a professora Letícia de Faria Ferreira seja reintegrada ao quadro docente da Unipampa.
Em nota, a diretoria da Sesunipampa repudiou a situação e manifestou apoio à docente, exigindo a revogação da demissão.
Caso pode abrir precedente
Diante de casos em que docentes denunciam possíveis irregularidades em processos internos das universidades, o que se verifica são algumas situações em que quem denuncia sofre represália pela denúncia através de processo disciplinar aberto pela Administração. No entanto, a assessoria jurídica da Sesunipampa não tem conhecimento de outros casos de demissão de denunciante como ocorre neste caso na Unipampa.
Esse cenário, portanto, de acordo com a previsão dos advogados, pode abrir brechas jurídicas para demissão de qualquer outro servidor ou servidora em qualquer instituição que, por alguma razão, indique irregularidades em concursos e solicite investigação interna. A universidade, ao infringir este procedimento legal, permite que possíveis atos de corrupção e de favorecimento ocorram na instituição.
A Sesunipampa avalia que, um contexto de Reforma Administrativa (Proposta de Emenda Constitucional n° 32), com o objetivo justamente de flexibilizar as contratações e demissões, a Unipampa inaugura os riscos que servidores e sevidoras podem vivenciar caso a proposta seja aprovada.
Segundo os advogados de defesa, “a ideia é justamente passar este recado. A intenção da Administração quando pune algum servidor que denuncia uma suposta irregularidade é reprimir seu encaminhamento e averiguação, sob pena de perseguição para quem denuncia”.
*As informações são da Sesunipampa
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira