Neste domingo (23), a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) completa 17 anos de história, reconhecida como uma referência internacional por unir a prática com a teoria política marxista. O espaço foi construído em Guararema, interior de São Paulo, por cerca de mil militantes de 112 assentamentos e 230 acampamentos do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST).
Inaugurada em 23 de janeiro de 2005 e batizada em homenagem ao sociólogo e político brasileiro Florestan Fernandes, a escola oferece hoje cursos livres, superiores e de especialização e tem parceira com instituições de ensino reconhecidas e prestigiadas no Brasil e no mundo.
"A ENFF representa muitas coisas. Além de seu papel formador, para o MST é exemplo, é síntese da grandeza de nosso projeto de sociedade", comenta Ana Terra, militante do MST e coordenadora administrativa da Escola entre 2013 e 2016.
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A proposta de construção da escola foi elaborada em 1996. Nos três anos seguintes o MST organizou uma campanha de arrecadação de fundos para a obra. A maior parte dos recursos vieram da venda das fotos do fotógrafo Sebastião Salgado e do livro "Terra", uma coleção com imagens de Sebastião Salgado, texto do escritor português José Saramago e músicas de Chico Buarque. Todos doaram os direitos autorais ao Movimento.
Comitês internacionais, sindicatos e organizações populares da América Latina também criaram campanhas para financiar a construção da escola, um processo que durou três anos e que teve como base o trabalho coletivo dos sem terra.
"Além dos desafios econômicos e de autossustentação da ENFF, que parte principalmente da solidariedade de classe, temos o desafio político de estarmos atualizados e de construir um projeto político pedagógico que entenda as especificidades da classe trabalhadora no século 21", diz Ana Terra.
A escola tem o apoio de mais de 500 professores voluntários – do Brasil, da América Latina e de outras regiões –, nas áreas de Filosofia Política, Teoria do Conhecimento, Sociologia Rural, Economia Política da Agricultura, História Social do Brasil, Conjuntura Internacional, Administração e Gestão Social, Educação do Campo, Estudos Latino-americanos.
Além disso, oferece cursos superiores e de especialização, em convênio com 35 universidades e mestrado em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe, por meio de convênio com a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Cátedra de Educação do Campo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Ana Terra foi uma das militantes do MST que estudou do mestrado até o pós-doutorado nos programas criados pela ENFF em parceria com a Unesp. "Toda minha trajetória é permeada pelo papel fundamental da escola, não só na formação política, mas nos dando condições de acessar o ensino acadêmico", conta.
Na ENFF são conjugados o estudo de pensadores clássicos do marxismo com o princípio de formação a partir do trabalho e da divisão de tarefas, sendo todos os educandos responsáveis pela manutenção dos espaços físicos.
Para a dirigente Sem Terra, o legado do sociólogo Florestan Fernandes não se expressa apenas no nome da Escola. "É a aproximação do conhecimento teórico, formulado por um filho da classe trabalhadora, articulado com uma prática de atuação e luta política. Florestan com seu exemplo, nos mostra todos os dias que a luta pela transformação da sociedade conta com gênios, filhos de lavadeiras, faxineiras, empregadas domésticas, que precisam de oportunidades, que podem dar contribuições para o conjunto da humanidade", destaca.
Solidariedade
Em dezembro de 2009, um grupo de intelectuais, professores, militantes e colaboradores resolveu criar a Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes para manter uma campanha de apoio e financiamento permanente da escola.
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Em 17 anos de história, cerca de 40 mil pessoas do Brasil e outras partes do mundo participaram dos 20 cursos oferecidos anualmente na escola. Além disso, a ENFF também mantém convênio com mais de 15 instituições de formação de outros países.
Estrutura
A estrutura da escola tem capacidade para 200 pessoas, com auditório, anfiteatros, uma biblioteca com mais de 40 mil títulos, espaço de leitura, casa de artes e uma ilha de edição onde funciona a rádio da ENFF.
No local também foram construídos quatro blocos de alojamentos com refeitório, lavanderia, uma estação de tratamento de esgotos, uma horta que produz para o consumo local, além de duas quadras multiuso.
Além disso foi criada a Ciranda Saci Pererê para assegurar a participação das alunas e alunos que levam seus filhos às atividades.
O espaço é mantido por uma grupo de cerca de 40 militantes residentes, que compõem a brigada permanente Apolônio de Carvalho, e os educandos que se dividem durante as atividades.
Edição: Sarah Fernandes