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O sinal da cruz

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Eu mesmo fui coroinha de dois padres. A primeira vez, quando tinha uns oito ou nove anos, fui expulso, junto com quase todos os colegas - Unsplash
Assim, muitos meninos acabavam sendo coroinhas

Houve um tempo em que crianças de cidades pequenas se divertiam muito, andando por hortas, brincando nas ruas, passando o dia inteiro fora de casa sem que os pais se preocupassem.

Mas não havia muitas novidades nas cidades pequenas e qualquer coisa que parecesse oportunidade de fazer alguma coisa diferente, a gente topava.

Assim, muitos meninos acabavam sendo coroinhas.

Eu mesmo fui coroinha de dois padres. A primeira vez, quando tinha uns oito ou nove anos, fui expulso, junto com quase todos os colegas, porque descobrimos uma caixa de vinho de igreja na sacristia e mandamos ver nela.

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Na segunda vez, eu já tinha uns treze anos, uns coroinhas me contaram que o novo padre, um holandês maluco, depois da missa das sete horas da manhã de cada dia, dava uma bolacha “chique” para cada coroinha. Bolacha chique, para nós, era a do tipo champanhe ou essas recheadas que hoje custam baratinho e não fazem bem à saúde, mas na época, num lugar em que quase não circulava dinheiro, nós achávamos que era coisa de rico.

E mais: esse padre holandês não só não se importava que a gente bebesse como até abria a adega dele pra nós. Embarquei nessa.

A gente se divertia muito.

Os padres eram chamados para fazer batizados ou outras atividades na roça e os moradores, que ficavam muito honrados com a presença deles, lhes oferecia o que tinham de melhor. Acredito que vem daí aquele ditado: “Comi que nem um padre”. Mas acrescento: davam também a melhor cachaça. Então eu brinco até hoje: “Bebi que nem um padre”.

Um acontecimento que achei divertido foi numa festa junina num bairro rural, com muita gente, em que o padre, depois de batizar umas crianças, rezou um terço.

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Durante a reza, nos momentos em que tem que se fazer o sinal da cruz, que lá chamávamos “pelo sinal”, o padre reparou que o próprio festeiro levava a mão ao rosto e parava nisso, não fazia o sinal da cruz.

Terminada a reza, bebericando um quentão, ele chegou no festeiro e disse:

- Reparei que o senhor não fez o “pelo sinal”. O senhor não sabe fazer?

O homem respondeu:

- A prosa eu sei... O que eu não sei é esparramar na cara.

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Douglas Matos