A confirmação do primeiro paciente de Pernambuco com o chamado "superfungo", no dia 12 de janeiro, levantou curiosidade, medo e dúvidas. Um segundo caso acendeu um alerta para toda a rede hospitalar. Se trata da Candida auris, um fungo multirresistente e que se espalha geralmente no ambiente hospitalar. Dada a gravidade representada pelo aparecimento do novo patógeno, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu um alerta, considerando a infecção um novo surto.
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O Brasil de Fato Pernambuco entrevistou o infectologista pernambucano Bruno Ishigami para entender a gravidade do cenário. Ele aponta a seriedade da questão, mas é enfático quando diz que essa é uma preocupação maior para pacientes hospitalizados. Segundo ele, os cuidados para a não-proliferação do fungo devem ser tomados pelas equipes médicas. Para ele, o ponto chave da questão é o controle da infecção.
Confira os principais trechos da entrevista:
Brasil de Fato Pernambuco: O que representa a confirmação de um surto nos hospitais aqui de Pernambuco?
Bruno Ishigami: Apesar de serem só dois casos, a gente categoriza como surto por ser uma doença altamente contagiosa e por um patógeno resistente aos antibióticos que temos disponíveis. É a introdução de um patógeno que não existia por aqui e potencialmente danoso, uma questão de saúde pública mesmo.
A gente já tem uma preocupação em relação à resistência antimicrobiana no mundo, e com a covid-19 e o uso indiscriminado de antibióticos, isso se torna ainda maior.
O surgimento da Candida auris em Pernambuco representa o seguinte: olha, a gente já está tendo um surto de um patógeno muito resistente. O que vamos fazer daqui pra frente pra evitar que novos patógenos surjam e evitar até que essa Candida, que foi isolada inicialmente no Hospital da Restauração, se espalhe por outros hospitais da rede?, porque os pacientes do hospital da restauração eventualmente são transferidos pra outras unidades, então este surto traz esse alerta.
Esse é o segundo surto de uma doença contagiosa em Pernambuco neste último semestre, tivemos o surto de lesões de pele e agora esse superfungo, ainda durante a pandemia da covid-19 e uma epidemia de gripe. O que isso representa para o sistema de saúde do estado?
A vigilância da saúde de Pernambuco se mostrou muito capacitada, tanto que a gente conseguiu flagrar esse [primeiro] surto, que inicialmente eram escabioses, e descobriu que era uma mariposa a partir de investigações epidemiológicas e do acompanhamento dos casos.
A gente viveu a epidemia de H3N2, que também foi flagrada pela Secretaria de Saúde, a vigilância funcionou e tentou rodar teste, apesar de não ter conseguido pela alta demanda. O surgimento da Candida auris também foi flagrada pelo sistema de vigilância. O papel dela é exatamente esse: conseguir flagrar o mais precoce possível qualquer patógeno que seja de preocupação. Isso a gente está fazendo.
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Precisamos reforçar as medidas de precaução dentro do hospital para impedir que esse patógeno se espalhe para rede toda. A partir do momento que um fungo com esse potencial de letalidade se espalha, entramos em um espiral de caos. A quantidade de paciente que pode se contaminar vai aumentar muito e o custo hospitalar e a quantidade de óbitos também vão aumentar, então serve de alerta para todo mundo que trabalha nesse controle de infecções.
Levando para uma perspectiva macro, eu enxergo que a saúde está ligada a tudo na nossa sociedade. Está ligada com o desequilíbrio ambiental, a gente precisa olhar com carinho para isso. O que é podemos fazer em relação ao meio ambiente para evitar que novos surtos surjam?
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O superfungo vem como uma doença hospitalar, em que os hospitais já estão superlotados. Na sua opinião, o que é mais preocupante nesse cenário?
A maior preocupação é que hoje a gente já vive um momento de caos no sistema de saúde. Por ser uma doença predominantemente de ambiente hospitalar, ela chegou em um péssimo momento, em que os hospitais estão superlotados e profissionais sobrecarregados. Por isso a Anvisa e a Secretaria de Saúde já lançam o alerta de surto, para os hospitais entenderem a gravidade do momento e tomarem os devidos cuidados.
Isso que você falou é importante: é uma infecção predominantemente associada aos cuidados de hospital, aos pacientes que estão entubados, que fazem tratamento com quimioterapia, radioterapia, que tenham acesso central, que ficam muito tempo com soro... isso também aumenta a chance de infecção.
Serve também como alerta pra gente redobrar a nossa atenção. Apesar da chegada da Candida auris não ser uma ameaça para a população fora do hospital, ela pode se tornar. Se ela foge totalmente ao nosso controle e se espalha, qualquer pessoa que se internar vai estar correndo o risco de pegar.
:: Superfungo hospitalar preocupa profissionais e autoridades de saúde em Pernambuco ::
Mas fico receoso também com as chamadas da forma que são colocadas na mídia, porque podem gerar na população um sentimento de medo desproporcional. Ela [a Candida auris] é uma preocupação principalmente para pacientes hospitalizados. Não há nada que a população possa fazer.
Esse alerta é muito mais para quem está dentro do hospital e para a população ter consciência de que a gente usa antibiótico errado por tanto tempo que favorece o surgimento de um 'bicho' desse. É mais nesse sentido do que "ah, um superfungo pode lhe matar aí na sua casa". Não, isso não vai acontecer.
E como fica a questão de visitas? O governo do estado deve fazer alguma restrição?
Por agora não. Quando rola um patógeno desse no hospital em algum paciente, sinalizamos ele e temos manuais da Anvisa que orientam. Se você é visita desse paciente, vai ter que usar um "capotezinho" (que é uma roupa por cima da sua roupa da rua); se for tocar no paciente, tem que usar a luva; quando for sair, tem que tirar essa roupa.
Essas orientações em relação às visitas ficam muito mais sob o hospital. Não vejo necessidade da Secretaria de Saúde fazer limitação à visitação, acho que é uma medida desproporcional para o que estamos vivendo.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga