A Assembleia de Convergência Resistência Urbana pelo Direito à Cidade e Contra as Violações e Despejos do Fórum Social das Resistências (FSR) reuniu, na tarde desta quinta-feira (27) de forma virtual, lutadoras e lutadores de movimentos sociais e entidades de todo o Brasil e também do exterior.
O debate caracterizou-se por um espaço de reforço de articulações e intercâmbio das diversas experiências de resistência, com relatos dos desafios enfrentados na pauta da moradia e direito à cidade nos últimos anos, agravados no governo Bolsonaro e com a pandemia, e perspectivas para o ano de 2022.
A organização do debate foi das organizações Aliança Internacional, Brigadas Populares, Campanha Despejo Zero, Centro de Direitos Econômicos e Sociais (CDES), Conselho Mundial da Paz (CMP), Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM), Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Observatório das Metrópoles, Ksarosa Centro de Educação Popular e Resistência Cultural e União.
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A partir desta Assembleia, será construído um documento que fará parte do processo de sistematização do FSR na Plenária Geral dos Movimentos e Organizações Sociais, a ser realizada neste domingo (30) às 9h (veja a programação completa).
Na abertura, Mauri Cruz, da coordenação do FSR, ressaltou a importância das Assembleias de Convergência: “O Fórum das Resistências nasceu com o intuito de tentar renovar a metodologia do Fórum Social Mundial. A ideia das Assembleias é tentar continuar no processo de articulação nacional, continental e global contra o sistema capitalista internacional para construir convergência e levar ao Fórum Social Mundial.”
Assista na íntegra:
Na sequência, a primeira contou com uma fala de cinco minutos de variadas entidades e movimentos. O primeiro convidado foi Cesare Ottolini, coordenador da Aliança Internacional de Habitantes (IAH), que desde a Itália trouxe um panorama internacional do tema. “A pandemia só desvelou a debilidade das políticas e aumentou as desigualdades, o que se pode ver nos aumentos dos despejos”, disse, defendendo moratória de remoções. Segundo ele, na Europa foi destinado 170 bilhões de euros para ativar economia. “Estamos lutando que parte seja para moradia popular.”
A arquiteta militante do CDES, Karla Moroso, representando o Fórum Nacional de Reforma Urbana, destacou a situação documentada no Dossiê de Monitoramento das Políticas Urbanas Nacionais, de 2021. “Foram identificadas mais de 70 mil famílias em conflito, 40 casos de remoções e 75 mil famílias seguem ameaçadas por despejo”, relatou.
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Ela listou diversos desafios, como descontinuidade das políticas urbanas que vinham sendo construídas, novas regulamentações pró-mercado, restritivas em termos de direitos sociais e aprofundamento da política de corte de recursos adotada pelo governo federal. Porém, destacou a resistência: “Embora a conjuntura seja trágica, tem articulação de rede se fortalecendo nesse momento, várias entidades se conectando na resistência. Porque não tem cenário para avançar, é um retrocesso.”
Raquel Ludemir, pela Campanha Nacional Despejo Zero, contou que a campanha tem surpreendido por sua capacidade de convergir variados setores, como movimentos sociais, universidades e novos coletivos, reunindo mais de 176 entidades. Segundo ela, um dos grandes problemas é a falta de dados nacionais sobre os despejos.
“A Campanha tem feito a coleta de dados que têm se tornado referência. Desde inicio da pandemia identificamos que medidas de proteção diziam para ficar em casa, mas que casa?” questionou. “Identificamos que mais de 23 mi famílias foram despejadas durante o contexto de isolamento social, perderam seus tetos e vínculos afetivos, e 123 mil famílias hoje estão ameaçadas de despejo”, completou.
Ela também trouxe vitórias como a conquista de leis estaduais e uma lei federal que sustou despejos durante a pandemia, e a decisão cautelar do Supremo Tribunal Federal (STF), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que proibiu despejos entre junho e dezembro de 2021 e foi prorrogada até 31 de março. “Estamos com certa proteção, mas a gente imagina que depois, se cair a proteção, vamos ter um problema muito mais sério, e ainda em pandemia e aprofundamento de crise social e econômica”, disse.
O presidente Nacional da Conam, Getúlio Vargas Júnior, lembrou que o ano de 2022 é chave “não só pelas eleições, que vão definir caminho entre barbárie e civilidade, mas também porque muitas lutas nossas vão ter um processo importante”. Ele também reforçou o perigo da ADPF 828 que vence em março. “Depois disso o que ocorre? Tenho informações que muitos juízes estão só esperando o prazo pra despachar em série várias remoções acumuladas. Isso é preocupante”, afirmou.
Getúlio lembrou que, neste primeiro semestre, a Conam está construindo a Conferência Popular pelo Direito à Cidade. “A resistência se complementa com a formação, com os espaços institucionais e de resistência”, pontuou. Para ele, mesmo se Lula vencer as eleições, “vai ser um caminho de luta para desconstruir a Emenda Constitucional 95, a antirreforma trabalhista e todos os desmontes da política urbana, com os movimentos construindo a luta.”
Carla Castro, da coordenação estadual do MLB, lembrou que o movimento não parou de lutar durante a pandemia, realizando 17 ocupações urbanas pelo Brasil. “Mesmo com a ADPF, em Belém do Pará sofremos em uma ocupação que durou horas porque a polícia chegou e colocou tudo na rua. Uma ocupação que completa um ano na Bahia, a Casa Zeferina, mesmo com governo do PT sendo do nosso lado, sofremos muita repressão policial mesmo sendo um governo do nosso lado. Também em vilas de Porto Alegre, uma delas fortemente atacada, a Vila Kédi na Zona Norte, sofre com a especulação imobiliária, em função do aparato no seu entorno todos os dias sofre com mensagens dizendo que serão despejadas”, contou.
O professor José Moraes Barbosa, ambientalista e poeta de São José dos Campos (SP), lembrou da desocupação do Pinheirinhos, que fez a cidade ficar conhecida como capital da crueldade. “Uma desocupação brutal e profundamente devastadora, que a polícia militar de choque atuou de forma extremamente violenta.” Destacou um novo processo de gentrificação, financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). “Tem havido muita resistência porque estamos denunciando a todo instante, e isso tem ajudado a frear esse impeto do BID, que não tem a menor sensibilidade com comunidades mais carentes”, criticou.
Para Neila Gomes dos Santos, amazonense da coordenação nacional do MNLM, o movimentos de moradia são os mais perseguidos porque são os mais ousados. “Mexemos com a burguesia brasileira, que é tacanha e entreguista”, afirmou. Também manifestou preocupação com a ADPF 828. “Estamos certos que precisa fazer mobilização de rua, fazer calendário de resistência e insurgência. O povo tá sentindo na pele a fome, a dolarização do combustível, a fome e desespero”, disse.
Eduardo Osório, do MTST de Porto Alegre, lembrou que a crise da moradia não é de agora e não iniciou na pandemia, mas foi acentuada pela crise sanitária, que para alguns não permite isolamento porque não têm casa, comida, trabalho e condições mínimas. “Em Porto Alegre, a prefeitura junto com uma transnacional, a Fraport, operou despejos e remoções forçadas no auge da pandemia”, relatou.
Eduardo também destacou a construção de 26 cozinhas comunitárias pelo MTST em 2021, além de hortas urbanas, a fim de “construir um novo modelo de civilidade para enfrentar desafios que não são de poucos anos mas definem futuro dos nossos netos”. Ele defendeu sair da postura defensiva e partir para uma agenda propositiva. “Seguir mobilizando as ocupações de maneira organizada, ou de maneira espontânea. Ajudar a construir na organização dessa luta, programa e plataforma de direito à cidade que contemple os movimentos.”
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Flávia Maria, da Brigada Popular, disse que o movimento já construiu mais de 30 ocupações e várias frentes, não só contra o despejo mas pela moradia digna e formas de continuidade da vida após a conquista da moradia. Ela destacou a importância da autogestão, exemplificando com a Ocupação Dandara, a maior de Minas Gerais, que nasceu em 2015, tensionando o Minha Casa Minha Vida para uma lógica mais horizontal.
O advogado popular Pablo Bandeira, do MTD, refletiu sobre a atuação dos movimentos de luta pela moradia, que extrapolam para outras questões nas grandes cidades. “O acesso ao trabalho, com 15 milhões de desempregados, é um dos problemas profundos que vai exigir das organizações a construção de novo projeto de país, que não se resuma a agenda governamental, que esteja em debate nas eleições, mas que consiga pensar um Brasil no longo prazo, que garanta as políticas sociais para o seu povo”, analisou.
A professora de Sociologia da Vanessa Marx, pesquisadora do Observatório das Metrópoles, ressaltou a importância do encontro e dos movimentos pensando uma agenda já em janeiro para dar visibilidade para as lutas e resistências. Ressaltou a articulação desenvolvida pelo Observatório, que envolve pesquisadores, coletivos e outas parcerias. “Discutir direito urbano e formação de redes no Fórum Social Mundial possibilita isso, articular e se encontrar em diversos momentos”, afirmou.
Maristone Moura, idealizadora da Ksarosa Centro Cultural, local de acolhimento da população de rua em Porto Alegre, destacou que a situação desta população, que “não é incentivada a serem sujeitos de suas vidas”. Ela afirmou a importância de arte e da cultura como ferramenta de libertação das pessoas em situação de rua e lembrou do jornal Boca de Rua, instrumento de comunicação que reduz a invisibilidade e gera renda para essa população.
A segunda parte da atividade abriu a participação para inscritos na Assembleia, trazendo experiências e reflexões de militantes de diversas partes do país sobre o tema.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko