Para vencer a transfobia, precisamos construir força real transformadora
Por Kaique Maciel*
“Me olhei no espelho,
Os olhos vermelhos de chorar "você vai vencer isso tudo, pode acreditar".
Comecei a me elogiar,a conversar comigo e eu mesmo me aconselhar
"É só apenas um dia ruim, isso vai passar”
Reivindicado como data de luta desde 2004, o 29 de janeiro foi instituído como Dia da Visibilidade Trans no Brasil durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula, pelo Partido dos Trabalhadores. Neste dia, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em parceria com o Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde, realizou um ato no Congresso Nacional (DF) para reivindicar políticas de equidade, promoção do respeito e da cidadania. Em consequência da ação, além da definição sobre o dia 29, foi lançada a campanha “Travesti e Respeito”, marco da luta contra a transfobia em nosso país.
Nestes últimos 18 anos, um longo caminho de resistência e conquistas foi construído pelo movimento trans e pelas organizações que caminham lado a lado a ele. Parte desses avanços institucionais tem ligação com o fato de que, em 2003, o governo Lula transformou a Secretaria de Direitos Humanos em Ministério, colocando os direitos humanos no mesmo patamar de outras áreas do executivo. Entre as ações desenvolvidas, em 2004, o Sistema Único de Saúde (SUS) passou a realizar atendimento completo para travestis e transexuais, com cirurgias e terapia hormonal; o governo federal também aprovou o programa “Brasil Sem Homofobia”.
Em 2008, foi organizada a primeira Conferência Nacional LGBT, com objetivo de definir prioridades para o combate à LGBTfobia. Em 2013, foi garantido o direito de usar o nome social no cartão do SUS; e, em 2016, estendeu-se ao direito de uso do nome social em órgãos públicos, autarquias e empresas. Durante o governo Dilma, Symmy Larrat tornou-se a primeira travesti a assumir a coordenação-geral de direitos LGBT da Secretaria de Direitos Humanos. Ainda nos governos PT, foi implementado o “Relatório Sobre Violência Homofóbica” e o módulo LGBT no Disque 100, uma das maiores ferramentas de combate a violência contra essa população.
Apesar dos avanços consequentes de décadas de luta e da permanente atuação dos movimentos populares; desde a eleição de Jair Bolsonaro, em 2019, o que vemos é a combinação da destruição das nossas conquistas institucionais e a ampliação e legitimidade de discursos de ódio e ações transfóbicas. Se antes, a política de implementação de ações afirmativas e campanhas permanentes contra a transfobia, a realidade de violência contra os corpos trans já era dura. Hoje, o governo Bolsonaro, através de sua linha ideológica neofascista, aprofunda a falta oportunidades no mercado de trabalho, na educação, a impunidade para atos violentos e reitera o contínuo discurso de ódio transfóbico.
:: "É muito mais do que chamar pelos pronomes corretos, é dar oportunidades”, avalia homem trans ::
Mas, apesar dessa realidade que precisa ser continuamente denunciada, o Dia da Visibilidade Trans também é dia de ter orgulho dos movimentos que se propõem a subverter a transfobia. Em um momento de avanço do neofacismo, as pessoas trans têm respondido ocupando cada vez mais espaços públicos, vê-se desde o aumento da participação de pessoas trans na política - como ter um homem trans na diretoria de Políticas Educacionais da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), Erika Hilton e Duda Salabert como vereadoras, e a presença de Janaina Lima na Coordenadoria de Diversidade Sexual e de Gênero do Governo do Rio Grande do Norte -, ao fato de termos Linn da Quebrada em um dos maiores reality shows do mundo, o Big Brother Brasil, acessando a casa de milhares de famílias.
Pensar a luta contra a transfobia é também saber que em 2022 as eleições representam um importante processo para mudar a história do nosso país. Elas possibilitam tanto uma derrota institucional do bolsonarismo, quanto a eleição de um presidente, governadores, senadores e deputados federais e estaduais que apontem a construção de um Programa Popular para o Brasil, que envolve pautar e construir melhorias para o setor LGBTI. Por isso, é preciso fazer da campanha eleitoral um amplo movimento de organização popular. Só com o povo organizado poderemos sustentar a governabilidade institucional e construir força real transformadora para vencer Bolsonaro e seus aliados.
Assim, além de resgatar o legado de luta do movimento trans, reafirmar o compromisso da luta contra a transfobia e levantar a bandeira azul e rosa de resistência permanente. Neste 29 de janeiro reiteramos que a luta pela vida das pessoas trans passa pela construção de um governo que atue contra a transfobia e tenha como determinação construir condições para que o Brasil deixe de ser um dos países que mais mata pessoas trans no mundo. Para nós, a única via possível para isto é através da candidatura Lula. Para vencer a transfobia, precisamos construir força real transformadora, que tenha condições de construir um projeto nacional popular: sem opressão, sem exploração, com melhores condições de vida.
*Kaique é estudante , Diretor de Políticas Educacionais da União Brasileira de Estudantes (UBES) e integrante da Coordenação Nacional do Levante Popular da Juventude.
**Leia outros textos da coluna Direitos e Movimentos Sociais. Autores e autoras dessa coluna são pesquisadores-militantes do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais, movimento popular que disputa os sentidos do Direito por uma sociabilidade radicalmente nova e humanizada.
***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo