Nas poucas vezes que ganhei bem, gastava depressa. Sou melhor em gastar do que em ganhar
“A nossa família tem uma inteligência burra”, dizia uma prima. “Nós temos inteligência para tirar boas notas na escola, passar de ano sempre. Mas a inteligência que interessa, nós não temos”, ela insistia.
Inteligência “que interessa”, para ela, era a inteligência para ganhar dinheiro. Essa, realmente, muitos de nós, inclusive eu, não tínhamos e eu só fui piorando. Ganho cada vez menos.
Nas poucas vezes que ganhei bem, gastava depressa. Sou melhor em gastar do que em ganhar.
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Inteligência útil, mostrava minha prima, era a de uma família que ela conhecia, com muitos filhos. Eram péssimos na escola. Repetiam sempre, quase todos interromperam os estudos no curso médio. Mas todos ficaram ricos ou, pelo menos, “remediados”, como se dizia. E aplicaram o dinheiro, em vez de torrar a grana, como eu sempre fiz.
Hoje em dia, aceita-se que existem muitas inteligências. Diferente dos tempos em que se tratava a inteligência como uma só, que valia para tudo. Minha prima, então, era meio pioneira nisso de acreditar na variedade de inteligências.
Nessa história de inteligência pra ganhar dinheiro, eu me lembro de uma mulher que mendigava num posto de gasolina numa estrada do Nordeste.
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Lá, paravam muitos caminhoneiros e eles faziam sempre um teste com ela. Pegavam uma nota de cinco cruzeiros, a moeda da época, e uma de dois cruzeiros, falavam que ela podia pegar só uma das notas e a mandavam escolher.
Ela escolhia sempre a de dois cruzeiros e os caminhoneiros e outras pessoas que faziam o mesmo teste saíam rindo da suposta burrice da mulher.
Um dia, um desses caminhoneiros que sempre paravam lá e faziam o teste com ela, resolveu questionar a mulher. Perguntou se ela sabia o valor do dinheiro, ela respondeu que sim. Sabia muito bem que a nota de cinco valia mais do que o dobro da nota de dois.
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- Então, por que você escolhe sempre a de dois cruzeiros em vez de pegar a de cinco?
Em vez de responder, ela perguntou a ele:
- Quantas vezes você parou aqui e fez esse teste comigo?
- Já devo ter parado umas cinquenta vezes - ele respondeu.
Ela sorriu e falou:
- Então... cinquenta vezes peguei a nota de dois. Deu cem cruzeiros. Se tivesse pego a nota de cinco você não faria o teste nunca mais, né? Eu ganharia só cinco.
Tá aí uma inteligência prática, e das boas.
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Douglas Matos