Coluna

Comunicação feminista e popular: processos, aprendizados e práticas das mulheres em movimento

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"A comunicação é um processo político onde todas podemos ser comunicadoras" - SOF
MMM e SOF sistematizam acúmulos do movimento sobre a comunicação e debatem temas como as armadilhas

Por Fabiana de Oliveira Benedito*

 

A comunicação, em suas múltiplas formas, é um campo de disputa de ideias fundamental na nossa sociedade. Quando falamos em comunicação, as pessoas frequentemente pensam em duas coisas: na comunicação hegemônica e na comunicação digital. No feminismo popular, temos como tarefa permanente a iniciativa de dizer que comunicação é mais do que isso. Para nós, que fazemos parte da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e do movimento feminista, comunicação é um processo político onde todas podemos ser comunicadoras.

Todas podemos ser comunicadoras porque comunicação não é apenas uma técnica. Tampouco um conhecimento que apenas algumas pessoas – em especial homens brancos heterossexuais – possuem. Não se trata, para nós, de uma mera transmissão de mensagens. Falamos em construção de memória da organização popular e de sentidos comuns para as nossas lutas, denúncia das desigualdades sociais e fortalecimento das mulheres como sujeitos políticos.

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Falamos e praticamos um processo que não hierarquiza as pessoas entre quem supostamente sabe e, por isso, deve falar, e quem teoricamente não sabe e, por isso, deve apenas ser espectadora das mensagens transmitidas por outras.

A comunicação popular e feminista reconhece todas e todos como seres que possuem conhecimentos legítimos e autênticos. Somos críticas à mera difusão de mensagens, que desconsidera o diálogo como elemento central do que nomeamos como comunicação. Nesse caminho, aprendemos e nos inspiramos nos acúmulos da educação popular e, em especial, das contribuições do educador Paulo Freire.

É com esse espírito que a SOF Sempreviva Organização Feminista e a Marcha Mundial das Mulheres lançaram, no final de 2021, duas publicações feitas a muitas mãos, a partir de diversos processos de construção e socialização de saberes, que versam sobre a comunicação popular e feminista. Eles serão – assim esperamos – subsídio para a ação coletiva das mulheres em movimento.

Somos todas comunicadoras!

Na publicação Somos todas comunicadoras! Aprendendo juntas sobre comunicação feminista e popular, foram sistematizados práticas e aprendizados do Coletivo de Comunicadoras da MMM, que surgiu em 2013, no 9º Encontro Internacional do movimento, que aconteceu em São Paulo.

A decisão política de formar um coletivo de comunicação foi tomada com a inspiração de uma experiência de aliança com outras organizações políticas, que se juntaram na chamada “Convergência de comunicação dos movimentos sociais”, durante o encontro, a fim de promover um processo diverso e coletivo de cobertura do evento.

Na cartilha, apresentamos como a comunicação tem sido construída na MMM e multiplicada pelo Coletivo, com dicas práticas e conhecimentos acumulados nesses anos de prática política, que podem inspirar a comunicação nos territórios na hora de elaborar textos, vídeos, fotos, áudios e outras linguagens criativas.

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Também abordamos discussões sobre a comunicação popular enquanto aposta política dos movimentos e organizações sociais tanto no campo quanto nas cidades, e sua importante contribuição para a educação popular e o debate da democratização da comunicação no Brasil.

Outro ponto sublinhado é a necessidade do debate crítico e uma reflexão coletiva sobre as redes sociais, por serem plataformas de empresas transnacionais que funcionam conforme seus interesses econômicos, atualizando a dinâmica de imposições sobre o trabalho, tempos e modos de vida. Evidenciar as armadilhas do capitalismo digital é fundamental para pautarmos nossas alternativas, e neste sentido, o material também aborda o tema das tecnologias livres como forma de resistência ao poder corporativo das comunicações hegemônicas.

O objetivo, como dissemos, é que seja um material de uso coletivo: “para compartilhar com companheiras das cidades, reler para lembrar de alguma dica que esqueceu, anotar outras ideias, botar em prática e fortalecer a comunicação feminista e popular da Marcha Mundial das Mulheres nas ruas, redes e roçados de todo o Brasil”. A cartilha pode ser baixada em pdf gratuitamente nos sites da SOF e da MMM.

Comunicar a partir da experiência das mulheres

“A comunicação feminista e popular está enraizada nos espaços onde as mulheres vivem e lutam. É por isso que o boca a boca, a rádio comunitária, os jornais impressos são fundamentais e não podem ser substituídos pela crescente digitalização da comunicação - e da vida”. Isso é o que dizem as mulheres no livro Comunicación feminista y popular: experiencias de las mujeres en movimiento, publicado em espanhol pela SOF.

A comunicação feminista e popular está enraizada nos espaços onde as mulheres vivem e lutam

Por aí, vemos que enfrentar as contradições do capitalismo digital na comunicação, que consideramos ser uma armadilha, é uma tarefa muito importante do nosso tempo. Para muitas pessoas, as redes sociais digitais parecem ser espaços democráticos de debate, mais abertos e menos censurados do que os meios de comunicação tradicionais. A partir das discussões que fazemos coletivamente, já sabemos que não é bem assim. Enfrentar as grandes corporações que controlam a internet é parte da luta contra o poder das empresas transnacionais em nossas vidas, e é também um passo necessário rumo à soberania tecnológica.

Nesse livro, encontramos experiências de companheiras da Marcha Mundial das Mulheres do Brasil, Cuba, Chile e Venezuela, e também da CLOC - Via Campesina, a Rádio Mundo Real e a Universidade Popular (UPo). São textos de quem põe a mão na massa apesar dos autoritarismos, dos bloqueios econômicos imperialistas, textos de gente que escreve, filma, faz rádio, mulheres que criam e que fortalecem a construção compartilhada de conhecimento. O livro pode ser baixado gratuitamente aqui.

Com esses acúmulos, que misturam teoria e prática, sempre imbricadas para nós, queremos aproximar as alternativas e as práticas de comunicação que já são parte do cotidiano dos movimentos; apresentar as disputas nas quais essas práticas estão envolvidas; e aprofundar o sentido continental de nossas lutas e da nossa forma de fazer comunicação.

 

*Fabiana de Oliveira Benedito é comunicadora, integrante da equipe da SOF Sempreviva Organização Feminista e militante da Marcha Mundial das Mulheres.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rebeca Cavalcante