Legislativo

Filibuster: a tática do Senado dos EUA que tira o sono de Biden

Mesmo sem ter maioria, senadores republicanos podem bloquear votações e debates na Casa

Brasil de Fato | Los Angeles (EUA) |

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Biden ter problemas para aprovar seus projetos se os republicanos usarem o filibuster - Brendan Smialowski / AFP

Também conhecido como "debate interminável", o filibuster é basicamente a arte de obstruir uma proposta legislativa por meio de discursos intermináveis. Como para interromper um pronunciamento são necessários os votos de 60 senadores, e Democratas e Republicanos têm 50 cadeiras cada, é possível tentar bloquear a pauta ao falar sem parar.

"Vivemos tempos muito polarizados, onde é raríssimo que pautas polêmicas sejam abraçadas por 10 senadores do partido da oposição", explica a advogada Caroline Fredrickson, mestre em Direito.

Para o professor de ciências políticas da Universidade de Miami, Gregory Koger, assuntos como aborto, casamento gay, descriminalização de substâncias e outros pontos ligados mais à ética e aos costumes de um país são mais sujeitos ao filibuster, que passou a ser mais recorrente a partir da década de 1960.

"O filibuster, de certa forma, sempre existiu, não dá para apontar para uma data e dizer 'ah, foi aqui que começou', mas nas minhas pesquisas eu mostro que essa prática ficou mais comum a partir dos anos 1960, porque, antes, ao se opor a um projeto de lei, o senador tinha que ir presencialmente a plenário, e defender seus argumentos diante dos colegas – daí a ideia do debate sem fim", explica.

Foi a partir dos anos 1960 que o Congresso dos Estados Unidos mudou o sistema do filibuster, aceitando que senadores se oponham a uma proposta, mas sem a necessidade de argumentar seu ponto de vista na tribuna.

"Um dos argumentos favoráveis ao filibuster é que ele promove o debate de propostas que ainda não estão maduras", diz Koger, "mas não é isso que estamos vendo".

A advogada Caroline Fredrickson é ainda mais enfática em sua crítica: "agora que os senadores não precisam mais ir a plenário e explicar por que estão se opondo a algo, eu realmente não vejo nenhum diálogo, nenhum debate. Tudo está acontecendo nos bastidores".

Antes de chegar à Casa Branca, Joe Biden foi senador. Ao longo de 36 anos e 12 dias, o democrata foi figura recorrente no Congresso e era um entusiasta do filibuster. Agora, na condição de presidente, ele é declaradamente contra essa prática – sobretudo porque sente na pele o quão limitado seu governo fica.

"O filibuster é um baita problema para o presidente dos Estados Unidos, que não consegue avançar em pautas econômicas e sociais", argumenta Fredrickson, "é por isso que esse país não tem creches acessíveis; nossas pontes estão caindo e nossa infraestrutura está aos frangalhos". 

Donald Trump e outros ex-presidentes também tiveram de lidar com esse desafio, que se agrava diante da polarização política instaurada no país.

"O que é problemático para a democracia americana é o descompasso entre a forma como os partidos estão organizados e a maneira como eles estão se comportando. Estabelecemos as regras da democracia americana presumindo que os partidos têm ideias diferentes e que isso até poderia gerar conflito, mas que, no final das contas, haveria algum consenso pensando no bem comum e isso nos levaria adiante", finaliza o professor Koger, "e em vez disso, o que temos são partidos que se comportam muito mais como os partidos parlamentares europeus, onde todos que estão em um lado votam de um jeito, e todos que estão no outro lado votam de outro. Não há muito espaço para coalizões entre partidos para promover o interesse nacional".

Edição: Thales Schmidt