Um grupo de 74 pessoas está mobilizado na luta por moradia em Candiota (RS), município da região da Campanha gaúcha. Desde o dia 2 de janeiro, famílias e jovens ocupam uma área próxima ao Residencial Viver Melhor, no bairro Dario Lassance. A prefeitura chegou a dar um prazo para a desocupação do local, foi estabelecido um diálogo inicial, mas o futuro dessas pessoas está incerto.
O grupo de famílias se denomina “Força do Querer”. Um dos ocupantes, Ledir Rodrigues, conhecido como Nene, conta que a ocupação é formada por pessoas que passaram a sentir dificuldades de pagar aluguel durante a pandemia. Segundo ele, grande parte está desempregada e um dos primeiros ocupantes foi vítima de despejo do local onde morava, por não ter condições de pagar.
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“A gente foi conversando com o pessoal e começou a organizar. Vieram um e outro, contaram sua história, que não tinham condições de pagar aluguel, e nós ajudamos, montamos casinhas com brasilit e pranchas de eucalipto. De uma ou duas famílias se tornou 74 cadastros, que é o pessoal que tá hoje morando com as crianças”, explica.
As famílias que residem na ocupação estão vivendo sem energia elétrica e contam com o apoio de vizinhos para o fornecimento de água. Os vizinhos são do Residencial Viver Melhor, complexo habitacional viabilizado pelo programa Minha Casa, Minha Vida composto por 207 casas.
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A primeira reação do poder público foi determinar a desocupação da área, considerada área verde pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Em janeiro, a prefeitura determinou que as pessoas desocupassem o local até o dia 31 do mês. No entanto, os ocupantes buscaram apoio do Legislativo municipal.
Vereadores assinaram moção de apoio
O grupo conversou com vereadores e coletou a assinatura de sete dos nove parlamentares em uma moção de apoio que solicita a permanência no local “até que seja encontrada outra área para realocar as famílias ou mesmo outra área para ser destinada como área verde”.
“Inicialmente havia a ordem de desocupação, mas depois a prefeitura veio averiguar e mudou totalmente a conjuntura”, explica Nene. “Mas a princípio a ideia da prefeitura é nos tirar daqui. E podem até nos tirar, mas a gente não tem pra onde ir e vão ter que nos realocar em outra área, ou simplesmente a gente vai ter que montar em outro lugar”, lamenta.
Entre os vereadores que assinaram a moção, Danilo Gonçalves e Luana Camacho Vais, ambos do PT, sensibilizaram-se com a questão e mediaram uma reunião entre a comissão dos ocupantes da área e o prefeito Luiz Carlos Folador (MDB). “A gente conhece essas pessoas, são famílias de Candiota, ninguém de fora. Até porque muita gente foi beneficiada com programas habitacionais, mas essas ficaram de fora e, por causa da pandemia, não têm outra saída”, afirma Danilo.
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“Tinha uma ameaça de despejo, até o prefeito falou que tinha entrado no Ministério Público para a retirada dessas pessoas, mas como a gente foi lá com essa comissão, a gente tentou conversar para deixar essas pessoas mais uns dias, para cadastrar. O prefeito mandou a assistência social fazer um cadastro dessas pessoas, tem pessoas que não tem pra onde ir”, pontua o vereador, destacando que a assistência social apoiou algumas famílias com cestas básicas.
Danilo espera por uma solução que leve em conta a situação de necessidade por qual passam os residentes da ocupação. “A gente tá tentando aproximar com o prefeito, até porque ele ajuda muitas pessoas, então acho que não vai ser diferente. Mesmo porque ali é uma área verde e a gente não quer fazer nada fora da lei, mas se não pode aquela área, que se consiga outra área para aquelas famílias”, avalia.
Questionado sobre o caso via Whatsapp, o prefeito disse: “Não sei se é do teu conhecimento de ocupantes que já foram contemplados com casas no residencial Viver Melhor, Portelinha, Areal, Candiota e outros. Inclusive beneficiários com lotes da reforma agrária”.
A partir disso, a reportagem questionou a posição oficial da prefeitura, quais ações estão sendo tomadas e as justificativas, não tendo mais o retorno do prefeito. Também foi buscado contato via telefone da prefeitura municipal, sem sucesso, e e-mail institucional, sem retorno até o fechamento desta matéria.
Déficit habitacional
O vereador Danilo entende que a ocupação evidencia um problema de déficit habitacional no município. Conta que na gestão passada foram construídas e vendidas cerca de 500 casas, através do programa Minha Casa, Minha Vida, mas que hoje não há nenhum programa habitacional no município.
“O ex-prefeito Adriano dos Santos tinha um programa adicional sobre terrenos e agora o Folador tá dando continuidade. As pessoas estavam esperando, até porque era promessa de campanha dele, já passou um ano e ele não se mobilizou, então as pessoas estão pleiteando por um terreno”, afirma o vereador.
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Candiota tem cerca de 10 mil habitantes e é conhecida por suas duas usinas termelétricas, a Presidente Médici, da Eletrobras, e a Pampa Sul, da Engie. Também abriga 24 assentamentos da reforma agrária, totalizando mais de 600 famílias, segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
“Pela lógica, Candiota é um município rico, é uma vergonha ter tanta família sem moradia própria”, opina Nene. “Tem várias áreas onde dá pra alocar o pessoal. Falta é projeto. Tem tanta família nessa situação na pandemia, a gente sabe que não é apenas Candiota”, complementa.
Ele destaca ainda que o grupo não tem vinculação partidária nem com movimento social. Diz que se for identificado alguém que esteja na ocupação não por necessidade, mas para se beneficiar, não terá o apoio para permanecer.
“Publicaram em um jornal que seriam pessoas que já tinham terreno e querem se beneficiar, mas aqui é um pessoal que necessita, quem quiser vir é só olhar. A prefeitura tem o cadastro de cada um e pode ela mesmo cortar se tiver alguém se beneficiando, é o justo, a gente não tem porque esconder isso”, finaliza.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko