Localizado no município de Filadélfia, na região norte do Tocantins e a 456km da capital Palmas, o Quilombo Grotão tem 2.096,9455 hectares, que vem sendo ocupados em meio a conflitos desde o final da década de 1970 por falta de titulação.
A comunidade é formada hoje por 45 famílias devidamente cadastradas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no entanto, 25 delas vivem em um território de apenas 100 hectares garantidos por meio de um acordo judicial, as demais vivem em outros territórios rurais e urbanos por falta de espaço e em razão de conflitos.
Ouça: PAA e Pnae favorecem luta contra a colonialidade na comunidade de Monte Alegre (ES)
A comunidade do Grotão é certificada desde 2008 com o autorreconhecimento de remanescentes de quilombos, emitido pela Fundação Cultural Palmares. A partir de então o Incra realizou estudos para delimitação do território quilombola, publicado em 2011, reconhecendo a medida de mais de 2 mil hectares, instituída por meio do Decreto Presidencial nº 599 em outubro de 2013.
Logo depois, em dezembro de 2013, foi publicado no Diário Oficial da União o decreto de desapropriação da área para fins de regularização do Quilombo Grotão, o que até o momento não foi cumprido e tem dado margens para ocupações indevidas e conflitos entre quilombolas e invasores.
Maria Aparecida, coordenadora da Associação Quilombola da Comunidade Grotão é uma das lideranças à frente da luta pelo território e lamenta a demora de titulação por parte do Incra, que além dos conflitos, provoca também problemas como a evasão de quilombolas para condições de vida precárias nas cidades, inclusive vítimas de trabalho escravo.
"O nosso território para nós é tudo, porque é o fortalecimento da comunidade, das famílias voltarem para a terra. Estamos em cima de 100 hectares e estamos aguardando, reivindicando os nossos 2.600 hectares. Eu quero que as autoridades vejam, estamos cobrando, batendo de frente. Mas infelizmente estamos aguardando há muito tempo, nossos jovens são desmotivados, saem para procurar emprego, outros se debatem com trabalho escravo", explica.
Leia também: Criança é morta em ataque a família de líder comunitário de Barreiras (PE)
Filha do senhor Raimundo José de Brito (83), um dos patriarcas do território, aos 43 anos Maria Aparecida ainda espera realizar o sonho do pai, que é ver as terras, em sua totalidade, sendo entregues a quem de fato pertencem - aos quilombolas. O seu tio, Cirilo Araújo de Brito, também patriarca do quilombo não pôde realizar o mesmo sonho em vida e faleceu vítima de covid-19 em novembro de 2020.
“Um dos patriarcas já faleceu e não viu sendo entregue, que era o sonho dele. Meu pai fala que ainda quer alcançar [esse sonho]. E o nosso sonho, a nossa bandeira é o nosso território, a nossa terra. Ela é perseguida demais, quando não é uma coisa, é outra. É um conflito por um grileiro, agora já é um conflito com uma ocupação de pessoas estranhas, que não são daqui”, afirma.
Ouça: Programa Bem Viver: grilagem é uma das principais causas do desmatamento no Cerrado, diz estudo
Ameaçada de morte por grileiros e posseiros da região, Maria Aparecida já viu essa história se repetir quilombos afora, culminando com assassinatos de lideranças para darem espaço para grandes monoculturas de soja e eucalipto, mas garante não ter medo e que, em nome de um sonho maior, não vai desistir.
“A gente faz uma ocorrência e não é respondido e a história que a gente vê das lideranças quilombolas é tombar. E isso eu já sofri, eu já tenho diversos boletins de ocorrências por ameaças de morte pela luta, porque várias pessoas falam que me matando, conseguem a terra. Pode tombar, mas a luta continua, a minha geração vai herdar essa terra!”, declara Aparecida.
Violência até no cemitério sagrado
O cemitério é um território sagrado, de forte simbologia para os quilombolas, que cultuam a memória e o respeito profundo aos antepassados. Justamente esse espaço foi alvo de violência, onde durante algum tempo, a comunidade sequer podia ter acesso.
Leia também: Nabhan Garcia e Incra fortaleceram "soldado bolsonarista" que aterrorizou famílias do MST na BA
"Os antigos estão enterrados lá dentro e é uma área que a gente não tinha acesso, porque ficava uma das sedes da grilagem, com pistolagem lá dentro. Aconteceu até violência no cemitério em 2013, a gente registrou boletim, passaram tratores por cima das sepulturas dos nossos antepassados e derrubaram as cruzes", denuncia.
Demora e consequências
Hoje, quase 10 anos após o decreto de desapropriação da área, a comunidade cobra os órgãos responsáveis, em especial ao Incra, para que a situação seja resolvida antes do desmatamento total da área que desejam preservar.
"Não queremos dinheiro, queremos o nosso território, a nossa terra, para que a gente preserve o nosso cerrado, para que a gente preserve os nossos animais que estão em extinção, porque aqui em frente é um plantio de eucalipto, do lado é soja, ou seja, o cerrado está impactado, mas essa demora do Incra é muito ruim. Desmotiva a comunidade, tira um pedaço de nós", afirma Aparecida.
Leia também: Quem é o "guru ambiental" de Bolsonaro, denunciado por cientistas em revista internacional
Acordo prometido
Membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Felipe Oliveira tem acompanhado o caso e explica que, em reunião realizada em dezembro de 2021, com participação do Ministério Público, o Incra garantiu que até o final de fevereiro será efetuado o pagamento de mais uma parte do território para fins de regularização.
Caso o compromisso seja cumprido, a parte do território, ainda não definida, será colocada em nome do próprio Incra, e não necessariamente entregue à comunidade. Após o pagamento para desapropriação, devem ser feitos novos estudos para demarcação e remoção das famílias não quilombolas que vivem no local hoje.
Cenário nacional
Felipe Oliveira explica que apesar de ser um grande passo, ainda não resolve a situação das famílias. Ele atribui a demora ao sucateamento dos órgãos públicos e às mudanças na legislação da política ambiental que favorecem grileiros e grandes empreendimentos.
“Apesar de ser um avanço importante, não resolve a situação porque as famílias não detêm o título definitivo do território. Nós temos a intenção do Incra em formalizar o processo, mas o sucateamento dos órgãos públicos e as mudanças na legislação da política ambiental tem provocado um atraso de mais de dez anos de paralisação desse processo”, explica Oliveira.
Leia também: Mais da metade do desmatamento da Amazônia ocorreu em terras públicas
No Brasil estima-se que mais de 90% das terras reconhecidas como pertencentes a povos remanescentes de quilombos não estão regularizadas. Segundo relatório da Fundação Cultural Palmares, o estado do Tocantins conta com 45 comunidades certificadas, mas somente uma delas está regularizada pelo Incra, que é o Território Barra de Aroeira, com processo concluído em 2021, após 150 anos de luta.
A CPT explica que além do pagamento da área total para fins de titulação, outro agravante tem sido a ocupação do território, inclusive o que já foi pago pelo Incra, por parte de famílias não quilombolas.
"Já dialogamos, avisamos que é um território quilombola em processo de desapropriação, mas até hoje eles não saíram e o Incra está sabendo da situação, disse que faria uma vistoria para saber quantas famílias, orientar a saída, talvez organizar organizar outra possibilidade. O que torna o processo mais difícil e deixa as famílias um pouco vulneráveis. Então hoje, a principal reivindicação deles, além do pagamento das áreas, é que resolvam essa situação da ocupação", conclui.
Em tentativa de contato com o Incra, questionamos a demora na titulação da área total do Quilombo Grotão, que estaria dependendo da análise de recursos contrários à criação do território recebidos pelos órgão no ano de 2012, mas não recebemos resposta.
Edição: Daniel Lamir