Yago Corrêa de Souza, de 21 anos, foi preso por um crime que não cometeu. Ele saía de uma padaria no Jacarezinho, comunidade da zona norte do Rio de Janeiro, quando avistou um tumulto na rua, envolvendo policiais militares, e entrou em uma farmácia para se proteger. Imagens da câmera de segurança do local flagraram o momento em que o jovem foi abordado por um PM que apontava um fuzil em sua direção. Yago foi levado à delegacia e preso por, supostamente, estar associado ao tráfico de drogas.
Ele deixou o presídio dois dias depois após o juiz entender que não houve provas suficientes para mantê-lo preso. Mas ainda deve aguardar em liberdade pelo julgamento definitivo do Tribunal de Justiça do Rio. Yago entrou para as estatísticas.
A pesquisa Elemento Suspeito, lançada nesta terça-feira (15) pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), aponta que homens, negros, de até 40 anos, moradores de favelas e periferias, com renda de até três salários mínimos são os principais alvos dos agentes de segurança do município carioca. Mesmo representando 48% da população no município, o percentual de pessoas negras abordadas pela polícia chega a 63%. E 17% delas já foram paradas mais de 10 vezes.
Racismo incorporado
Além disso, os dados mostram que atividades comuns para pessoas brancas são vistas como suspeitas quando se trata de pessoas negras, como andar a pé na rua ou na praia. A primeira edição da pesquisa Elemento Suspeito foi lançada em 2003 e volta às ruas quase 20 anos depois.
No entanto, segundo o pesquisador Itamar Silva, com o passar dos anos, houve um aprofundamento do perfil do elemento considerado suspeito pelas polícias. “Para esse trabalho foi importante a gente perceber como esse perfil vai sendo construído e aprofundado junto a essa força policial que vai identificando, olhando para a população e realimentando o seu olhar enviesado para esse elemento que ela considera suspeito. É uma confirmação disso que tem cada vez mais ganhado espaço na narrativa e no debate público, de que o racismo ele está de tal forma incorporado a essas forças que ele vai ganhando essas nuances e aparecendo nessas experiências completas”, explica.
De 2003 para cá, as ameaças durante as abordagens passaram de 6,5% para 23%. Além da violência física, humilhação e constrangimento também foram apontados como características das abordagens pelos jovens negros ouvidos pela pesquisa. A revista corporal foi considerada uma das partes mais agressivas e invasivas, vivida por 50% dos entrevistados. Entre eles, 84% eram homens, 69% negros, e 70% moradores de favelas e bairros da periferia.
Trauma da violência
A pesquisa sobre as abordagens policiais no Rio mostra que outras experiências traumáticas com as forças de segurança também são mais vivenciadas por pessoas negras do que brancas. Até 70% presenciaram a polícia agredindo pessoas. E 79% tiveram suas casas invadidas e 74% tiveram um parente ou amigo morto pela polícia.
Membro do conselho de pesquisa e integrante da Coalizão Negra por Direitos, Wesley Teixeira, comenta que o medo sentido por essas pessoas é um dos principais efeitos de tais situações. “Existe e há ter um limite que seja de abuso dos protocolos da lei. Quando as autoridades não cumprem, elas geram medo, e eles que deveriam proteger, acabam sendo vistos como medo. Quem não tem medo quando encontra um policial no Rio de Janeiro provavelmente não é uma pessoa negra e não vive a realidade da periferia. Além do abalo psicológico que é, imagina você ter sua vida interrompida por uma blitz, uma abordagem, manter sua vida no caminho como cidadão mas simplesmente sofrer uma violação pelo Estado”, contesta.
Os participantes da pesquisa sobre as abordagens policiais no Rio também avaliaram a Polícia Militar em relação à eficiência, respeito, racismo, corrupção e violência. A corporação teve o pior desempenho entre os participantes do estudo, com nota 5,4. Segundo Wesley Teixeira, a percepção da população carioca sobre as forças de segurança não deve mudar com o chamado ‘Cidade Integrada”. O novo programa do governo de Cláudio Castro (PL) visa a retomar o território em comunidades dominadas pelo tráfico e pela milícia. As primeiras comunidades escolhidas foram as do Jacarezinho e Muzema, ocupadas há quase um mês.
Confira esta e as principais notícias desta terça (15), no áudio acima.
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