Os cafés do Starbucks estão cada vez mais amargos – não em sabor, mas em preço. Culpando a inflação, a maior rede de cafeterias dos Estados Unidos anunciou que pretende subir seus valores pela terceira vez desde outubro. O café preto grande – que era vendido a US$ 2,45 em 2021 e hoje custa US$ 2,95 – deverá ser reajustado em breve. Só não se sabe para quanto.
A gigante justificou a escalada de preços aos investidores. De acordo com o CEO da marca, Kevin Johnson, a pandemia pressionou a inflação e os desafios de mão de obra, e ambos "foram amplificados para além das expectativas", disse o executivo.
O que não foi falado ali, porém, é sobre a relação entre essa nova tabela de preços e o lucro da Starbucks, que disparou 31% no último trimestre de 2021, na comparação com igual período do ano anterior. Johnson, o CEO, recebeu um aumento de 29%, passando a ser remunerado em US$ 2,4 milhões por ano.
Cenário parecido se repetiu na Tyson Food, que usou do discurso da inflação para reajustar os seus valores em 20%. "Curiosamente", os ganhos da empresa avançaram 19% e bateram US$ 1,1 bilhão no último trimestre.
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Inflação nos EUA
De fato, a inflação dos Estados Unidos é a maior dos últimos 40 anos, batendo em 7,5%, mas não justifica as receitas recordes registradas por todo o país. Segundo o Departamento de Comércio dos EUA, aliás, a margem de lucro corporativa é a maior dos últimos 70 anos.
"As grandes empresas estão interessadas em maximizar os lucros, independentemente do resultado que isso tenha social, economicamente e — me atrevo a dizer — eticamente também", diz ao Brasil de Fato o professor Mickey Huff, que leciona história e ciências políticas na Diablo Valley College, em São Francisco.
Para além da academia, esse discurso tem ganhado eco em salões mais nobres. Os senadores Bernie Sanders e Elizabeth Warren levaram ao púlpito as suas críticas, e, com o microfone em mãos, acusaram as companhias de se aproveitar do pânico inflacionário para aumentar os preços aos consumidores mais do que o necessário, a fim de aumentar seus lucros já desproporcionais.
À reportagem do Brasil de Fato, o economista John Leer, consultor da Morning Consult, reconhece que a inflação é um problema não apenas nos EUA, mas no mundo. "O risco fica ainda maior quando as pessoas e as empresas começam a antecipar a escalada do preço, e então a inflação se torna uma profecia autorrealizável", explica.
Autoridades do Federal Reserve, o Banco Central dos EUA, já anunciaram que pretendem elevar as taxas de juros na tentativa de conter a inflação — o remédio mais conhecido para esse problema. A questão é que essa "técnica" prejudica muita gente, sobretudo quem mais precisa, já que o acesso ao crédito fica dificultado.
O ex-secretário do Trabalho Robert Reich concorda que os problemas da cadeia de suprimentos global levam grande parte da culpa pelo aumento da inflação. Mas, para Reich, isso não explica porque grandes corporações altamente lucrativas repassaram custos de produção mais altos a seus clientes na forma de preços elevados. Não precisava ser assim: se as empresas estivessem enfrentando muita concorrência, elas absorveriam os aumentos de custos para manter os preços de seus produtos baixos e atrair clientes. Isso, obviamente, não aconteceu. Em vez disso, corporações dos mais variados setores — energia, alimentos, varejo e outros — enfrentam tão pouca concorrência que podem trabalhar juntas para coordenar reajustes de preços com o único propósito de aumentar os pagamentos para investidores e executivos.
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Acontece que a inflação não é apenas um problema dos EUA, ela está aumentando em praticamente todos os outros países do mundo porque todos, em todos os lugares, foram afetados negativamente pelo atraso na cadeia de suprimentos global. Mas, mais importante, a inflação é mais alta nos EUA. As razões para isso são múltiplas e complexas, mas não há como negar que a ganância corporativa desempenha um papel central nessa história. Segundo uma estimativa apresentada pelo economista Matt Stoller, nada menos que 60% do aumento dos preços ao consumidor está indo direto para os lucros das empresas. Ainda de acordo com os cálculos de Stoller, "pouco antes da pandemia, em 2019, as empresas americanas lucravam cerca de US$ 1 trilhão por ano, mais ou menos. Esse valor permaneceu constante desde 2012. Hoje, essas mesmas empresas estão faturando cerca de US$ 1,73 trilhão por ano. Isso significa que para cada homem, mulher e criança americana, as corporações que costumavam ganhar cerca de US$ 3.081, hoje ganham perto de US$ 5.207. Isso representa um aumento de US$ 2.126 por pessoa", escreveu o economista.
Aumentar a taxa de juros pode ser o primeiro passo para a correção da inflação, mas para frear a escalada de preços é preciso que a Casa Branca combata os monopólios e cartéis do país, e que as empresas encontrem um ponto de equilíbrio ético que não precise sabotar milhares de clientes para enriquecer (mais) um único CEO.
Edição: Thales Schmidt