Eu penso que a minha existência precisa ter a identidade da minha região
“A novidade é que o Brasil não é só litoral, é muito mais que qualquer zona sul. Tem gente boa espalhada por esse Brasil que vai fazer desse lugar um bom país. Uma notícia está chegando lá do interior, não deu no rádio, no jornal ou na televisão. Ficar de frente para o mar e de costa para o Brasil, não vai fazer desse lugar um bom país”.
Essas são as palavras do poeta e letrista Fernando Brant ditas pelo compositor e cantor Enrico Di Miceli para definir a necessidade de se conhecer a cultura que pulsa nos interiores do país, seus ritmos, suas vozes e timbres.
É por isso, que no Mosaico Cultural desta semana vamos conhecer a produção cultural amapaense. “O Amapá é um estado rico em produção musical e o Brasil precisa estar atento a isso e conhecer”, diz o compositor.
A música ‘Dançando com Oxum’ é uma das músicas do primeiro álbum de canções inéditas do trio formado pelos dois compositores mais atuantes da região norte do país, o também violonista e cantor Enrico Di Miceli, pelo poeta, escritor e cantor, Joãozinho Gomes se uniram a uma vozes amazônicas mais expressivas, a cantora Patrícia Bastos para lançar o disco que apresenta a riqueza da cultura do Amapá.
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"O projeto é mais um grito que estamos dando com a intenção de que o Brasil e o mundo nos ouçam e, passem a enxergar e a dar mais atenção a toda riqueza cultural, natural e humana da nossa imensa e preciosa Amazônia”, diz a cantora Patricia Bastos.
Enrico explica que a parceria se deu a partir da junção de dois álbuns em uma temporada de shows em que eles dividiram o palco e decidiram compor músicas para esse novo projeto Timbres e Temperos surgisse.
“O objetivo foi reunir três artistas com carreiras independentes, mas que têm em comum uma influência rítmica, especialmente a da matriz africana, que é marcante da cultura amapaense com uma linguagem amazônica”.
O repertório do disco Timbres e Temperos apresenta os principais ritmos amapaenses, como o batuque e o marabaixo, e também o cacicó e o zouk, gêneros da Guiana Francesa presentes na fronteira com o Amapá e que influenciam fortemente os artistas.
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Nascida em Macapá, Patricia Bastos cresceu em ambiente musical. Ela diz que o projeto é importante para que as próximas gerações conheçam a cultura amapaense seja através da música.
“Eu penso que a minha existência precisa ter a identidade da minha região. Eu sou uma consequência da escolha e cultura dos meus mais velhos, do povo do quilombo, do que eles pensavam para que hoje eu pudesse cantar com liberdade e respeito às nossas raízes”, comenta Bastos.
O cantor Enrico Di Miceli comenta que apesar das canções do álbum terem temas distintos, elas têm alguns elementos em comum, entre eles os ritmos. “Os ritmos que nascem da influência dos nossos tambores está muito latente nesse timbres e temperos o batuque e o Marabaixo, a linguagem que destaca o universo feminino falando dos adereços das nossas dançadeiras, de personalidades da nossa tradição cultural e das entidades religiosas é o caso da saia rodada colorida com aquelas estamparias, até a tia Chiquinha lá do Quilombo do Coreaú e Oxum”.
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Bastos acrescenta que um dos principais avanços foi através da autovalorização e a partir disso os produtores culturais têm possibilidade de acessar novas políticas através da arte e da educação.
“O principal avanço é querermos nos ouvir e voltando os nossos ouvidos e olhos para os artistas da Amazônia. Se a gente se valoriza ninguém tira o nosso valor e a prova disso são tantas conquistas de vários artistas e segmentos com premiações e oportunidades. Enxergar quem somos, por exemplo, já nos rendeu o reconhecimento do Marabaixo como patrimônio cultural imaterial brasileiro pelo IPHAN. Isso representa uma grande conquista, porque através disso asseguramos investimento para o manejo desse bem e assim o nosso povo vai se apropriando do que é seu”, diz a cantora.
O compositor e cantor Miceli destaca os desafios das produções culturais dos estados fora do eixo Rio-São Paulo.
“As grandes empresas que investem cultura estão limitadas aos grandes centros e aos artistas conhecidos nacionalmente fazendo com que hoje, esses investimentos não cheguem de forma igualitária em todas as regiões do país. A internet já possibilita o acesso à nossa obra, mas sem investimentos em divulgação e circulação dos shows o alcance se torna muito pequeno. Por outro lado as mídias tradicionais de rádio e TV pouco se importam com as produções regionais que são as que constroem a identidade brasileira”.
Timbres e Temperos conta com a direção musical e os arranjos do músico e compositor paulista Dante Ozzetti. O nome do álbum é uma homenagem à dupla de compositoras, cantoras, percussionistas, violonistas e violeiras Luli e Lucina, que em 1986 lançou o vinil Timbres Temperos. O disco está nas plataformas digitais.
Edição: Douglas Matos