O povo Tuxá é um grupo indígena que vive próximo ao Submédio do São Francisco, mais precisamente nos municípios baianos de Ibotirama e Rodelas. E é justamente desta segunda cidade que saiu a primeira mulher indígena nomeada Defensora Pública do Estado da Bahia: Aléssia Pâmela Bertuleza Santos.
Aléssia é também analista do Tribunal de Justiça da Bahia, professora de Direito Internacional no Centro Universitário Unirios e conversou com o Brasil de Fato Pernambuco sobre a luta histórica dos povos indígenas do Brasil pelo acesso à Justiça.
Leia também: Bahia tem primeira mulher indígena a ser aprovada para cargo de defensora pública
A entrevista foi veiculada no programa Trilhas do Nordeste. Confira:
Brasil de Fato Pernambuco: Em agosto de 2021, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil denunciou Jair Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional de Haia, alegando que o presidente cometeu crimes contra a humanidade e também genocídio, quando incentivou garimpeiros a invadirem terras indígenas. Diante dessa conjuntura, como é que você avalia a importância da participação dos povos indígenas no sistema de Justiça do país?
Aléssia Santos: Nesse caso, a gente já verifica uma mudança muito grande na forma do tratamento, na posição dos povos indígenas em relação ao sistema de Justiça brasileiro. Historicamente nós tivemos aquela condição de tutelados. Não existia acesso à Justiça sem a presença da Fundação Nacional do Índio (Funai) ali representando um indígena, sem uma atuação do Ministério Público Federal que tem suas atribuições, inclusive a defesa dos direitos indígenas.
Leia também: Entenda por que as ações da Funai estão ameaçando os povos isolados
O que a gente verifica, atualmente, é que a partir de um processo de muitas lutas que resultou num maior acesso à educação, inclusive acesso à educação superior por meio do sistema de cotas, nós temos cada vez mais a capacitação desses povos que têm a oportunidade e hoje podemos falar por nós mesmos. Inclusive, contra o Estado brasileiro perante tribunais internacionais.
Essa denúncia ao TPI [Tribunal Penal Internacional de Haia, órgão de Justiça das Nações Unidas] é um marco, porque demonstra justamente essa autonomia dos povos indígenas, fruto de muita luta, de muito esforço, de muita dificuldade para ser conquistada, mas também demonstra um posicionamento, a marcação de uma posição por parte dessas organizações no sentido de que não nos submetemos mais à violações, não aceitamos mais.
:: Em Pernambuco, povos Kapinawá e Atikum contam a história da luta pela demarcação de territórios ::
Qual a sua expectativa em relação à chegada na Defensoria Pública da Bahia? Você sendo uma mulher indígena, jovem e nordestina. Nos conta um pouco sobre isso.
Com a minha chegada, um dos meus objetivos é justamente o fortalecimento da pauta nesse espaço. Porque a gente verifica o fato da minha aprovação ser algo inédito depois de tantos anos, a gente verifica que nossa situação é tão grave que nós vivíamos, até então, uma situação quase de invisibilidade perante o sistema de acesso à Justiça.
Em outras instituições nós ainda nem chegamos
É muito celebrado. É uma conquista para ser comemorada mesmo, nós temos a primeira indígena que se torna defensora pública, mas é também algo para nos fazer refletir. Foi muito tempo pra isso e nem outras instituições nós ainda nem chegamos. Então, ao mesmo tempo que nós devemos celebrar, nós precisamos também refletir e pautar, discutir, aproveitar a ocupação desses espaços para trazer medidas que nos permitam trazer outras pessoas para isso. Eu costumo dizer que eu sou a primeira, mas tenho certeza que logo, logo não serei a única.
Eu costumo dizer que eu sou a primeira, mas tenho certeza que logo, logo não serei a única
Qual o papel e o lugar das cotas nas políticas públicas que garantem que tenha mais participação dos povos indígenas nesses espaços? Para você, qual o lugar dessa política?
Essencial. Porque quando nós falamos sobre essas políticas de cotas, de reserva de vagas, as ditas políticas afirmativas ou voltadas para os grupos raciais ainda existem muitas vozes que se levantam em sentido contrário. Mas, veja, nós não estamos falando sobre um benefício, nós não estamos falando sobre um presente, é uma tentativa de reparação histórica; não é nem de apagar o passado, é de reconhecer as falhas do passado e a partir disso, com as gerações atuais, não repetir os erros.
A política de cotas tem uma função de permitir o acesso que durante muito tempo foi negado
É uma forma de buscar que as gerações atuais consigam acessar espaços que foram indevidamente negados as gerações passadas, né? E quando eu falo sobre histórico, sobre o tempo, eu estou falando sobre séculos. É uma dimensão de tempo que a nossa existência não alcança. Então, tanto a política de cotas nas universidades, como de reserva de vagas em concursos públicos, elas têm uma função extremamente importante de reparação histórica, de permitir o acesso que durante muito tempo foi negado.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga