olhar humanístico

Educar deve ir além da formação profissional, defende organizador de Campanha da Fraternidade

Ao BdF, padre Patrick Samuel apresentou a campanha lançada nesta quarta (2) com o tema "Fraternidade e Educação"

Brasil de Fato | Imperatriz (MA) |
Cartaz oficial da campanha destaca importância da educação para além do ambiente escolar - Divulgação

No Brasil, a Quarta-Feira de Cinzas e a abertura do período quaresmal marcam também o lançamento da Campanha da Fraternidade, realizada anualmente pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) como uma plataforma de diálogo com a sociedade e como expressão da caridade e da solidariedade em favor da dignidade da pessoa humana.

Neste ano, o tema escolhido pela CNBB foi "Fraternidade e Educação", sob lema bíblico extraído de Provérbios 31:26: "Fala com sabedoria, ensina com amor". Inspirado pelo Pacto Educativo Global do papa Francisco, o tema convoca para a reflexão da realidade educativa do Brasil, seus desafios e de que maneira cada um de nós pode se colocar a serviço de uma educação mais humana e digna para todos e todas.

Ao programa Entrevista Central, o padre Patrick Samuel, secretário-executivo de Campanhas da CNBB explica os objetivos da campanha e de que maneira ela será desenvolvida junto à comunidade cristã.

Ouça o podcast: Educação é o tema central da Campanha da Fraternidade 2022 da CNBB

“O objetivo geral da campanha é promover diálogos a partir da realidade educativa do Brasil, procurando caminhos de solução, à luz do Evangelho, que nos ajude a pensar uma educação humanística, solidária e a serviço da vida. Nesse sentido, o verdadeiro serviço à educação é a educação colocada a serviço do bem comum, a serviço da vida”, explica.

No contexto da pandemia, o padre aponta que esse período tornou ainda mais evidente a desigualdade, a falta de estrutura, especialmente nas escolas públicas brasileiras, bem como a necessidade de intervenção para que seja possível um compromisso público para a garantia de uma educação de qualidade, em todos os aspectos.  

"É preciso que nós possamos olhar todo esse cenário, que foi agravado e evidenciado pelo contexto da pandemia, que nos mostrou inúmeros desafios, como a falta de estrutura e de acesso aos meios necessários para uma educação de qualidade. Então a campanha deseja despertar esses diálogos, mas para que nós possamos fazer um diagnóstico, mas não ficar apenas no diagnóstico. Pensar em intervenções pontuais a partir do nosso compromisso com a fé", reforça padre Patrick. 

:: CNBB: Campanha da Fraternidade de 2022 destaca e debate a importância da educação ::

Confira a entrevista completa.

Brasil de Fato: Qual será o tema da edição de 2022?

Pe. Patrick Samuel: Fraternidade e Educação. Essa é a terceira vez que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil traz o tema da Educação para reflexão durante esse período quaresmal, mas não somente restrito à quaresma, e sim um tema de tamanha importância que tem deve ser abordado ao longo de toda a nossa caminhada. Então este ano o tema é Fraternidade e Educação. E o lema, que é muito inspirador, é “fala com sabedoria, ensina com amor”.

Apesar do avanço da vacinação, ainda estamos envolvidos na pandemia. Como será a programação das atividades da campanha este ano?

Na Quarta-Feira de Cinzas (2), temos a abertura oficial da campanha, que acontece na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em Brasília. Ainda por conta da pandemia [de covid-19], esse ano fizemos a opção, como no ano passado, de fazer uma abertura virtual, também como um sinal de cuidado para com todos os nossos irmãos e irmãs, para que, o quanto antes, possamos sair dessa situação pandêmica. Então, aproveitando as mídias sociais, as TVs de inspiração católica e também as redes sociais da Conferência, a abertura da campanha chega a cada lar, a cada família, também por meio das redes sociais.   

O lema desta edição, como o senhor mencionou, fala em amor ao ensino e à educação. Qual a importância dos afetos na construção de uma educação de qualidade?

Nós pensamos a educação como tema da Campanha da Fraternidade por uma singularidade muito importante, que é pensar a educação de forma integral. E pensá-la de forma integral não é simplesmente pensar a escola em tempo integral, mas abordar todos os âmbitos da vida da pessoa. É a importância de se pensar a educação para além da escolarização, pois educar é muito mais que transmitir um conhecimento, educar é humanizar. É um ato de amor e esperança no ser humano.

Nesse sentido, a importância dos afetos, da construção dos vínculos, da nossa capacidade de relação diz respeito também à educação. Educar também é aprender. E, neste contexto em que vivemos, marcado também por tantas outras pandemias que nos circulam, nessas polarizações em que em muitos contextos nada se ouve, além da própria voz, a Campanha da Fraternidade deseja ser um oásis de reflexão nesse contexto.

Daí a importância de se educar também para o afeto, para a cidadania, para a nossa capacidade de relação, pois, se a gente foca a educação somente em um aspecto, restrita a uma carreira profissional, podemos até ter um excelente profissional nesse caminho, mas corremos o risco de ter um péssimo ser humano, com a inteligência emocional fragilizada, com desafios na capacidade de relação. Então esse é um aspecto importante, que também deve ser pensado no processo educacional.

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Quando falamos de afeto e acolhimento, lembramos da família. Como a campanha tem feito essa associação do papel da família na educação?

O papa Francisco, no Pacto Educativo Global, que é recuperado também na Campanha da Fraternidade, faz referência a um provérbio africano muito interessante. Ele diz: “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. E hoje essa aldeia é global, e a campanha nos ajuda a pensar qual o papel de cada um dos atores envolvidos no processo educativo; entre eles, a família ocupa um lugar especial. Os pais não podem ser alijados do processo educativo dos seus filhos e não podem terceirizar, eles devem assumir essa tarefa educativa, eles devem mais do que acompanhar, devem se envolver realmente nesse processo. Então a campanha recupera algumas indicações do compêndio de doutrinas sociais da igreja, que falam da tarefa dos pais, que são os primeiros responsáveis, mas não os únicos responsáveis pela educação dos seus filhos.

O Brasil tem muitos desafios na área da educação. Quais as tarefas prioritárias e mais urgente que a campanha identifica este ano?

O objetivo geral da campanha é promover diálogos a partir da realidade educativa do Brasil, procurando caminhos de solução, à luz do Evangelho, que nos ajude a pensar uma educação humanística, solidária e a serviço da vida. Nesse sentido, o verdadeiro serviço à educação é a educação colocada a serviço do bem comum, a serviço da vida. Isso nos obriga a olhar a realidade do Brasil, mas a partir de cada comunidade, do território das paróquias, por exemplo, como está a vida educacional ali. Isso olhando especificamente a realidade das escolas, o nosso envolvimento, sobretudo com um olhar especial para as escolas públicas, e também para as instituições católicas de ensino. Qual a sua verdadeira identidade e qual a incidência dessas instituições no campo social em que estão inseridas?

Então é preciso que nós possamos olhar todo esse cenário, que foi agravado e evidenciado pelo contexto da pandemia, que nos mostrou inúmeros desafios, como a falta de estrutura e de acesso aos meios necessários para uma educação de qualidade. Então a campanha deseja despertar esses diálogos, mas para que nós possamos fazer um diagnóstico, mas não ficar apenas no diagnóstico. Pensar em intervenções pontuais a partir do nosso compromisso com a fé, e como o próprio Cristo nos lembra no Evangelho: “Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância”. Mas, para que isso seja concretizado, é preciso de uma educação de qualidade.     

De que forma a campanha está conectada ao Pacto Educativo Global, pensado pelo papa Francisco em 2019?

O futuro da educação exige coragem para assumir posturas no presente. Isso supõe esse olhar atento àquilo que o papa Francisco chama a nossa atenção. E vem outro aspecto importante, que é pensar a educação de maneira integral, mas olhando também o cuidado para com a causa comum. E essa intuição do papa Francisco é muito interessante. Ele diz: “Olha, o planeta Terra vai se degradando, à medida que o ser humano também vai perdendo sua capacidade de cuidar do outro”. Então o grande caminho, talvez a grande postura seja justamente essa.

É tempo de cuidar da educação, e isso supõe a coragem de fazermos opções, de rever o nosso caminho e realmente assumir o caminho que o papa nos apresenta. São praticamente sete pontos que o texto-base retoma do Pacto Educativo Global, sobretudo reforçando os princípios. Então a pergunta talvez seja essa: “Quais são os princípios e os valores que devem presidir uma educação profundamente marcada pela experiência cristã?”. Colocar a pessoa no centro, mas não deixá-la sozinha, acompanhá-la, fazer com que ela seja capaz de oferecer o melhor de si a Deus, ao próximo, à sociedade, em vista também de uma boa cidadania. É como dizia Dom Bosco: “É preciso formar um bom cristão e um honesto cidadão”.    

Qual o simbolismo de a Igreja Católica mobilizar a bandeira da Educação, que é tão crucial para o desenvolvimento do país?

A Campanha da Fraternidade é uma plataforma de diálogo com a sociedade muito interessante. Ela existe, em termos nacionais, desde 1964. Então o grande objetivo da campanha é justamente esse: olhar para a sociedade brasileira e identificar alguns desafios que clamam pela presença dos homens e mulheres de boa vontade, do povo cristão, para ajudar a transformar esse cenário em defesa da vida e da dignidade da pessoa.

Esse é o grande convite que a igreja no Brasil nos faz, durante os períodos espirituais, quaresmais, tendo em vista a celebração da Páscoa de Cristo, a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte. A igreja nos convida a pensar sobre a educação, sobre qual é o nosso compromisso pessoal com a educação. Isso, o texto base traz de forma muito inspiradora para todos nós, e o grande horizonte se encontra justamente no lema: fala com sabedoria, ensina com amor, serve com gentileza, viva com ternura, tenha a capacidade de assumir o diálogo como estilo de vida.

Que nós possamos superar aquilo que nos afasta dos outros, mas fazer opção por um caminho que realmente humanize, que traga sentido para a vida e nos ajude a viver com radicalidade os princípios da fé cristã. É olhar para Cristo e entender como ele, em tudo, educava com sabedoria, falava com amor e não perdia nenhuma oportunidade para educar. Seu testemunho de vida, as opções que ele fez, é um caminho educativo que nos conduz ao reino de Deus. Evangelizar é isso: tornar o mundo de Deus presente no mundo.

Edição: Rodrigo Durão Coelho