Hilda Hilst mostra com a sua voz a poética política
Como desvendar a obra de Hilda Hilst? A escritora brasileira que se coloca nua no papel, que não temia o absurdo, a obscenidade e o ridículo. Que era ácida e combativa com os críticos que não reconheciam o valor da sua literatura. Ela que amava a criação artística, os cachorros e o misticismo e conversava com os mortos.
“Minha mãe queria que eu fosse bailarina. Eu disse: mãe eu só queria escrever algumas coisas”, disse a autora durante uma entrevista.
Para entender a vida e obra da autora, o Brasil de Fato conversou com quem entende do assunto, falamos com uma especialista na obra dela e com leitoras que têm a autora como fonte de inspiração. Polêmica, excêntrica e provocativa, Hilda Hilst produziu mais de 40 títulos, entre poesia, teatro e ficção, e escreveu durante quase 50 anos.
A escritora Geruza Zelnys, doutora em teoria literária e literatura comparada pela Universidade de São Paulo (USP), estudou no mestrado a obra de Hilda e se encantou com a autora, que consegue conciliar o rigor científico ao poético. Ela concluiu em sua pesquisa que a poesia da autora era "um poema-ensaio em busca de Deus, do amor como um ideal e uma busca pelo sagrado no próprio corpo".
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Segundo Zelnys, o que a poesia e prosa dela têm em comum é que são altamente conceituais. Hilda se dizia uma “guardiã de conceitos” e fazia filosofia com a literatura. “Ela lia de tudo, não só filosofia, mas também religião, matemática, metafísica, magia e todo esse arcabouço de conhecimento que ela traduzia em literatura."
Hilda iniciou sua produção literária em São Paulo, com o livro de poemas Presságio (1950); na ficção, com o Fluxo-Floema (1970). Mas foi somente em 1990 que Hilda ganhou visibilidade na imprensa.
A doutora em teoria literária ressalta que Hilda não tinha medo de expor as suas vulnerabilidades e as suas buscas.
O deboche, a lucidez, o romantismo, a loucura, o sagrado, o erotismo, a morte e a solidão são temas que marcam as suas obras. A solidão, por exemplo, ela sempre está buscando uma interlocução, se dirigindo a alguém.
Aos 36 anos, a escritora, poeta e dramaturga Hilda Hilst se muda para a Casa do Sol, em Campinas (SP), onde vivia rodeada de amigos e artistas. Foi no local que ela produziu parte dos seus livros. A Casa do Sol é um patrimônio cultural tombado, administrado pelo Instituto que leva o seu nome, aberto ao público e a artistas residentes.
A poeta Geruza Zelnys que carrega no corpo o título de um livro de Hilda - “Tu não te moves de Ti” - faz visitas com os alunos à casa da autora e diz que o estilo dela está presente desde a entrada. “Quando você entra na Casa do Sol, você entra encontra um relógio em uma parede rosa, com a frase: ‘é mais tarde do que supões’, que faz pensar imediatamente sobre o tempo.”
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A obra de Hilda influencia na maneira que Ana Rita Souza, mestre em Estudos Literários, olha o mundo, a política e o fazer literatura. Ela conheceu o universo hilstiano por meio da prosa e é apaixonada pelo modo que a autora trabalha os gêneros literários e cria textos híbridos.
Segundo ela, a obra de Hilda é atemporal e dialoga com o nosso tempo em questões que não foram superadas, seja da natureza humana ou política, principalmente neste momento em que o país enfrenta um recrudescimento político, econômico e social.
“O que me chama mais atenção na obra da Hilda é o caráter subversivo. Não só subversivo no sentido de ultrapassar aqueles códigos sociais, mas de perceber que nada é aquilo que parece. Na obra dela as coisas podem ser absurdamente contraditórias, e isso demonstra como é a própria natureza humana. Essa sensação de que não temos controle sobre nada e a capacidade absurda de subversão de cada um.”
A jornalista e pesquisadora Amanda Magalhães publicou o seu primeiro livro no ano passado. Começou a ler Hilda com o livro Júbilo, memória, noviciado da paixão que se tornou um dos livros mais lidos da autora. Zelnys também concorda que esse é um bom livro para quem quer conhecer a autora.
“Meu primeiro contato com a poesia dela, eu assustei. Porque era muito intensa e complexa, aos poucos fui desvendando aquele mundo. Toda vez que leio uma poesia dela, descubro uma coisa nova, uma palavra, um significado, um ritmo novo. Ao mesmo tempo que a Hilda vai na ferida, ela também cura e imagina outros futuros possíveis.”, ressalta Magalhães.
Ela é leitora de Hilda e diz que admira a forma como a autora lida com os binarismos. “Ela mostra o que está para para além do binarismo loucura-lucidez, divino-profano, espírito-carne e do próprio animal e o humano", finaliza.
As músicas que acompanharam o áudio dessa reportagem são poemas da autora que foram musicados por Zeca Baleiro e contaram com a interpretação de grandes nomes da música como Maria Bethânia, Mônica Salmaso e Ná Ozzetti.
Edição: Geisa Marques e Douglas Matos