Trinta cruzeiros não dá pra nada, leva cem...
Cada vez que tenho que pagar contas, e pedem o meu cartão de crédito ou PIX, e falo que não tenho isso, muita gente me olha como se eu fosse de outro mundo.
E eu me lembro do Roberto, que trabalhava no caixa de um banco numa pequena cidade do interior de Minas Gerais, no tempo em que tudo quanto é transação bancária passava pelo caixa, pois nem existiam caixas eletrônicos. Por ele passava muita grana, todos os dias.
E no fim do mês, vinha o pagamento. O salário dele era razoável, mas nada que se comparasse com o que passava por suas mãos diariamente. Então torrava o salário sem perceber, como se fosse uma merreca. Acabou pirando.
Como bom mineiro, o Roberto gostava muito de torresmo, e isso resultava numa coisa divertida. Quando alguém ia pagar qualquer coisa num bar ou numa loja, o sujeito que recebia a grana falava: “Você retirou esse dinheiro no caixa do Roberto, né?”. E era.
Ele mantinha sempre um pratinho de torresmo num banquinho ao lado da sua cadeira. De vez em quando, pegava um pedacinho de torresmo e saboreava. Aí, com uma das mãos engordurada, contava a grana e entregava as notas ao cliente.
Ninguém ligava pra isso, todo mundo achava até divertido.
Mas aí veio a tal piração.
Numa manhã, o primeiro cliente entregou ao Roberto um cheque de trinta cruzeiros, e recebeu cem cruzeiros em vez de trinta. O Roberto disse a ele:
- Trinta cruzeiros não dá pra nada, leva cem!
Mas o valor registrado no saque foi de trinta. O cliente não disse nada, aceitou numa boa e ainda contou pra todo mundo.
Dali a pouco havia uma fila grande no caixa do Roberto, todo mundo dando cheque de vinte, trinta ou cinquenta cruzeiros, e recebendo cem, cento e cinquenta, duzentos...
Quando o gerente percebeu, o estrago estava feito. Um monte de dinheiro dado de graça para clientes.
Recuperar o dinheiro seria difícil, e o Roberto não tinha como repor aquela grana toda.
Resultado: ele foi mandado para o um hospício em Belo Horizonte, onde passou quase um ano e voltou ainda meio sem noção do valor do dinheiro, mas aposentado.
Até que não foi um final tão infeliz, né?
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Geisa Marques