violência midiática

Artigo | Novas redes, velhas práticas: a grande mídia contra as mulheres em espaços de poder

Mais uma vez, a mídia tradicional utiliza velhos recursos semióticos para destilar a mais sórdida misoginia

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Na montagem com as brasileiras que compõem o topo do ranking, todas elas aparecem em fotos posadas, sorrindo e olhando para a câmera — exceto uma: a president - Montagem feita pelo Estado de S. Paulo

Em uma matéria publicada ontem, 7 de março, véspera do Dia Internacional das Mulheres, o jornal Estadão publicou a pesquisa do instituto Qualibest que apontava as cinco mulheres mais influentes do Brasil. Entre elas, a presidenta Dilma Rousseff. 

Até aí tudo bem. Não fosse uma sutileza, que poderia passar despercebida aos olhos de pessoas distraídas. Na montagem com as brasileiras que compõem o topo do ranking, todas elas aparecem em fotos posadas, sorrindo e olhando para a câmera — exceto uma: a presidenta. 

Apressadamente, algumas poderiam dizer que não passa de provocação “ideológica”, uma vez que sabemos bem que tipo de escolhas difíceis o Estadão costuma fazer. Então “esperar o quê?”.

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Mas estamos aqui para dizer que vai além disso. Quando um veículo da importância do Estadão usa da misoginia para desqualificar a única mulher do ranking que atua na política, ele está passando um recado à sociedade: a política não é lugar de mulher. Olha como “é feio”. A estética é simbólica, é política, é lugar de disputa. 

Dilma aparece mais sombria, com uma expressão aleatória, segurando um microfone, completamente deslocada da pose das outras. A única que ocupou o posto de primeira presidenta da história é vítima dessa violência simbólica de gênero que consiste em passar a mensagem de “louca deslocada”, estereótipo que a grande mídia insiste em imputá-la a todo momento, como fez com as históricas — e tão misóginas quanto — capas da revista Istoé. Insistimos, nesse caso, o veículo imputa não apenas a ela, mas a todas as mulheres que ousam ocupar um espaço na política. 

Não basta ter sido eleita e reeleita pela maioria dos brasileiros, não basta ter sido a primeira mulher a ocupar o maior cargo da república, não basta estar entre as cincos mulheres mais admiradas do Brasil, a despeito dos piores ataques que foram engendrados a uma figura pública, ainda há de se pagar a fatura. “Este é o preço. Estão vendo?”. A técnica é sutil, mas o recado é explícito e grita alto, muito alto.

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É possível uma comunicação não-machista?

Estamos cansadas de saber que a mídia nos invisibiliza, mercantiliza nosso corpo e nossas vidas e impõe um padrão que, na maioria das vezes, não reflete a nossa realidade. A comunicação, desde os mais antigos registros da humanidade, sempre esteve sob o controle dos que têm o poder econômico.

Ora, a nós mulheres, cujo processo de exclusão do poder se dá pelo nosso papel da reprodução, resta-nos uma mídia que legitima e naturaliza a violência contra mulher, a discriminação, o sexismo e o machismo.

Destrinchar as mensagens sobre essa postagem nos leva a fazer uma reflexão também sobre o papel de nós, feministas, na construção de uma outra comunicação. Será que há possibilidade de construirmos uma comunicação não machista, em um cenário que o patriarcado ainda é a regra? Qual nossa tarefa? Quais debates estão ocorrendo no Brasil sobre a comunicação? A comunicação é uma pauta das mulheres?

Será que há possibilidade de construirmos uma comunicação não machista, em um cenário que o patriarcado ainda é a regra?

As informações disseminadas em qualquer época estão longe de ser neutras – afinal, a neutralidade é algo que só aprendemos (e que só existe) na faculdade. Assim, quem detém os meios de comunicação hegemoniza uma visão social de mundo, inclusive no que tange ao papel da mulher na sociedade.

Cotidianamente, ocorrem a exibição e a circulação de fatos e imagens da mulher, no mínimo, constrangedores que nos inferiorizam, seja por meio das peças publicitárias, de produções como novelas, programas humorísticos, letras de música, etc.

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Não há um marco regulatório que coloque princípios, diretrizes e regras nítidas para a garantia da comunicação como direito. E, por ela ser um direito, deve estar submetida ao controle social.

O debate sobre a necessidade de democratização da comunicação no Brasil tem sido feito há muito tempo. Em 2009, por meio de uma grande pressão social, foi convocada, no governo do presidente Lula, a I Conferência Nacional de Comunicação. Mais de 600 propostas, desde o fim do oligopólio no setor até o estímulo à produção independente, foram aprovadas para a democratização da comunicação.

Para nós, feministas, que fazemos o contraponto à forma como a produção de conteúdos é criada e veiculada hoje na mídia, é extremamente importante intervir de forma ativa e sistemática para alterar o contexto que se apresenta carregado de estereótipo e preconceito contra as mulheres, em todas as fases de nossas vidas.

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É impossível pensar a mudança dessa forma de produção dissociada dos pontos estruturais da comunicação para construir uma perspectiva de classe, gênero, raça, etnia e orientação sexual.

Precisamos de mecanismos reais que possam fortalecer as ações pontuais de conteúdo e produzir impactos nas políticas públicas de comunicação.

Por isso, compreendemos que a luta feminista passa, também, pela construção e pela efetivação de um novo Marco Regulatório da Comunicação no Brasil.

 

*Ana Clara Ferrari é jornalista e Laryssa Sampaio é comunicadora popular

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rebeca Cavalcante