Nesta sexta-feira (11), Gabriel Boric assume a presidência do Chile e torna-se o chefe de Estado mais jovem da história do país. "Assumo a responsabilidade e o dever que temos com o povo do Chile. Saibam que daremos o melhor de nós para estar à altura dos desafios que temos como país", disse o novo presidente. Além do discurso inédito, a chegada de Boric ao Palácio La Moneda num ano em que o país deve concluir o processo constituinte gera uma série de expectativas.
Entre as primeiras medidas anunciadas está o teto de salários para cargos de confiança e restrições para contratação de familiares.
"O próprio presidente Boric advertiu as pessoas a que não idealizem sua figura. Acredito que será um governo de transição para a possibilidade de eleger adminsitrações que promovam mudanças mais de fundo, porque para Boric será muito difícil. Terá que governar um país que dentro de um ano terá uma nova Constituição, talvez tenha um Estado, um Congresso e um poder Judicial distintos, portanto será um período complexo", analisa a vice-presidenta do colégio de jornalistas do Chile, Rocío Alorda Zelada.
A ministra do Interior e ex-chefe de campanha de Boric, Izkia Siches, caracterizou o novo governo como social democrata. Para vencer o segundo turno, o presidente chileno ampliou suas alianças com os partidos de centro-esquerda que conformaram os governos do período da chamada Concertação.
"Eu não me preocuparia com o rótulo que pode ter o governo, mas sim com os vários assuntos urgentes. O Chile teve experimentos de ultradireita que sempre foram caracterizados como 'centro-direita'. A Constituição de [Augusto] Pinochet, o modelo neoliberal, são modelos de ultradireita, mas aqui sempre foram classificados como de 'centro-direita'", comenta Jaqui.
Sebastián Piñera deixa o cargo após dois mandatos não consecutivos com uma taxa de rejeição de 76%, segundo as últimas pesquisas de opinião. O ex-mandatário direitista desejou "a melhor sorte para Boric e seu governo". Entre as últimas reuniões que realizou como chefe de Estado, houve um encontro com o vice-presidente brasileiro Hamilton Mourão, na última quinta-feira (10).
Mourão permaneceu em Santiago para participar da cerimônia de posse junto a outros presidentes latino-americanos, como o argentino Alberto Fernández, o equatoriano Guillermo Lasso, o boliviano Luis Arce, o peruano Pedro Castillo, o paraguaio Mario Abdo Benitez, o uruguaio Luis Lacalle Pou, o dominicano Luis Abinader, o vice-presidente hondurenho Salvador Nasrallah e o primeiro-ministro haitiano, Ariel Henry.
O Japão enviou seu chanceler, Odawa Kiyoshi, os Estados Unidos foram representados pela chefe da Agência Federal de Pequenos Negócios, Isabella Casillas. A ex-presidenta Dilma Rousseff também compareceu à posse.
Programa
Com um gabinete formado majoritariamente por mulheres, Boric diz que irá fazer uma gestão feminista. Desde setembro do ano passado, o projeto de legalização do aborto até a 14ª semana de gestação está parado no Congresso.
"Há alta representação de mulheres, mas isso é simbólico, necessitamos avançar numa agenda muito mais concreta. Durante essa semana prévia à posse, os ministros se reuniram com diversos representantes de movimentos sociais. Esperamos que nessas primeiras semanas sejam realizadas audiências públicas, nas quais distintas organizações poderão participar", comenta a jornalista e membro da Marcha Mundial das Mulheres, Rocío Alorda.
Entre as principais propostas de campanha estão a criação de um sistema universal de saúde e a estatização do sistema de previdência, acabando com o modelo atual de financeirização das pensões pelas Agências de Fundos de Pensões (AFPs). Além disso, há uma proposta de pensão de US$ 296 (cerca de R$ 1.628) a todos maiores de 65 anos e a diminuição da jornada de trabalho a 40 horas semanais.
A recuperação da economia chilena, que retraiu 11% durante o primeiro ano da pandemia, é outro desafio para o novo chefe de Estado. O Chile atravessa a maior crise hídrica da sua história, com a seca mais prolongada dos últimos 13 anos.
"Já não temos direito a retirar os fundos de pensão, como no ano passado, já não há mais auxílios pagos pelo Estado. [O antigo governo] tentava forçar uma volta à normalidade, que já não será aquele mesmo normal. Mas acredito que a equipe de governo é bastante profissional e está comprometida com o programa", comenta o administrador e especialista em políticas públicas, Luis Jaqui.
Está em debate no Congresso chileno uma proposta de Reforma Tributária. Boric propunha estabelecer 5% de imposto de renda e a criação de royalties sobre as empresas transnacionais e do setor privado para extração de cobre, lítio e outros minerais no território chileno. A mineração representa 15% do PIB do país e 60% das exportações.
A criação de uma empresa estatal para extração de lítio é outro assunto estratégico ventilado nas propostas do novo governante.
Outros assuntos sensíveis envolvem a liberação de cerca de 2.500 presos políticos da revolta social de 2019 e a situação de violência contra as comunidades Mapuche da região de Araucania, sul do país.
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Refundação do Estado
Pela primeira vez, o mandatário terá duas faixas presidenciais: a tradicional tricolor com as cores da bandeira chilena e outra que foi confeccionada pelo sindicato das trabalhadoras têxteis que bordaram elementos que representam as 13 etnias indígenas que habitam o país.
"Esse presente busca demonstrar essa plurinacionalidade que terá o Chile, algo que os povos originários do nosso país reivindicam há muitos anos", comenta Jaqui.
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Boric foi um dos protagonistas das negociações que levaram ao início do processo constituinte, em 2021, passando pelo plebiscito e a eleição da Convenção Constitucional, que terá até junho deste ano para apresentar uma nova proposta de Carta Magna, que deverá passar por um novo plebiscito. Com isso, os chilenos buscam abandonar as últimas heranças da ditadura de Pinochet.
Quem é Gabriel Boric?
Natural de Punta Arenas, Gabriel Boric Font é advogado e foi deputado pela região de Magallanes e Antártida. Ele iniciou sua vida política no movimento estudantil como conselheiro da Federação de Estudantes da Universidade do Chile (Fech), em 2008. Foi um dos protagonistas das maiores manifestações estudantis da história chilena, em 2011, contra a privatização das universidades — uma das heranças da ditadura e do programa neoliberal de Pinochet.
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Em 2014, foi eleito para seu primeiro mandato pelo partido Esquerda Autônoma e reeleito com 18,6 mil votos, sendo um dos mais votados pela coalizão de organizações de esquerda, Convergência Social, em 2017.
"Faço minhas as palavras de Gabriel: a nossa geração conquistou o direito de liderar esse processo de transformação", defende Luis Jaqui.
Edição: Thales Schmidt