Uma obra que pretende viabilizar a navegabilidade da hidrovia Tocantins-Araguaia durante todo o ano, inclusive em períodos de seca, leva preocupação a diversas comunidades tradicionais e populações originárias que vivem no Baixo Tocantins, no Pará.
O projeto prevê mudanças em trechos de pedreiras e corredeiras que ocupam mais de 40 quilômetros. A derrocada de pedras tem potencial para mudar a biodiversidade local e causar impactos significativos nos modos de vida das famílias da região.
Com indicações do governo federal de que o andamento do processo deve ser acelerado, entidades católicas divulgaram uma alerta pedindo que soluções sejam encontradas para que o empreendimento não cause prejuízos às comunidades.
Entre os potenciais danos listados estão a perda de área de pesca, a poluição por defensivos, resíduos e combustível das embarcações, os riscos à biodiversidade e os impactos nos modos de vida de quem vive no local.
O bispo da Diocese de Cametá (PA), Dom José Altevir da Silva, membro da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil), afirma que a obra é mais uma na lista de projetos que se desenvolvem de “maneira brutal” na Amazônia brasileira.
Leia também: Coluna | Comunidades quilombolas contaminadas por agrotóxicos lutam pela preservação da ancestralidade
Repetição de erros históricos
Ele lembra da construção da hidrelétrica de Tucuruí, que atingiu fortemente a vida de populações do Rio Tocantins na década de 1970 e causou um trauma histórico na região.
“Vão ser repetidos os mesmos erros. A Amazônia foi sempre escravizada por empresas e projetos grandes e nada deixaram na Amazônia. Esse projeto da hidrovia vem de uma história longa e é muito ambicioso. É um canal para levar para fora do Brasil as riquezas produzidas aqui. Soja, minério, tudo para fora. Aqui vai ficar apenas a destruição do meio ambiente e dos pobres.”
:: MPF promete dar seguimento à reparação de atingidos por hidrelétrica em Tucuruí (PA) ::
Conta não fecha
Os riscos que a ampliação da hidrovia pode trazer para as populações tradicionais impulsionam reações também entre movimentos sociais. Carmem Foro, secretária nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), acompanha a situação das famílias da região de perto e afirma que elas correm “todos os riscos possíveis” com o empreendimento.
Ela aponta que uma das justificativas para o projeto é o barateamento do transporte de cargas, mas a conta para a população não fecha.
“Estamos falando de populações que vivem secularmente às margens do Rio Tocantins, que vivem da pesca e usam o rio para tudo. Esse empreendimento pode acabar com tudo. Claro que isso afeta diretamente a economia", diz Foro.
Implosão de quilômetros de pedreira
Nas palavras da ativista, "Implodir quilômetros de pedral, por si só, já é um desastre ambiental". Segundo ela, "serão três anos de implosão e não vai ficar nada". "Nessa área, tem muito pescado, que serve economicamente para o estado e para fora do estado. Imagine, três anos para destruir um pedral que a natureza construiu por milhares de anos”, destaca.
Leia mais: Indígenas Munduruku afirmam que estudos da hidrovia Tapajós são inválidos
Apreensão da comunidade
Entre as comunidades, o empreendimento gera apreensão. A quilombola e pescadora Maria José conta que, quando o projeto foi apresentado, as populações locais não foram consultadas e que, mesmo agora, o diálogo é insuficiente.
“Eles dizem que vai gerar emprego e muita coisa para a comunidade, mas nós sabemos que não é verdade, pela construção da hidrelétrica de Tucuruí. Nós estamos com muito medo de a miséria voltar. Água é vida e, com a escavação, nós vamos perder nosso rio. O que vai ficar para nós é só rejeito. Nós não queremos a hidrovia, nós queremos vida. O rio não é mercadoria, o nosso rio é vida”, defende.
A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para obter mais informações sobre o diálogo com a comunidade e a autorização para as obras.
Em nota, o Ibama informou que "a análise de viabilidade ambiental do empreendimento contempla, dentre outras avaliações, estudo do diagnóstico socioeconômico, que considera o impacto sobre as comunidades", mas não deu mais detalhes sobre o processo.
Edição: Rodrigo Durão Coelho