A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou a votação da proposta que amplia o acesso de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) a armas e munições, inicialmente prevista para esta quarta-feira (16). O texto, no entanto, deve seguir no radar do governo Bolsonaro, autor da medida.
O projeto foi aprovado em 2019 na Câmara dos Deputados e, desde então, tramita no Senado. O possível adiamento da votação nesta segunda Casa, já protelada também em outros momentos, deve-se às intensas faíscas que circundam a medida, batizada de Projeto de Lei (PL) 3723/2019.
Especialistas, organizações civis e parlamentares de oposição temem a aprovação do texto. Entre os críticos, por exemplo, destacam-se senadores que defenderam o adiamento da apreciação do PL e relatam ter sofrido ameaças por conta disso. Eliziane Gama (Cidadania-MA), Simone Tebet (MDB-MS) e Eduardo Girão (Podemos-CE) vieram a público na semana passada para manifestar tentativas de intimidação ocorridas via internet.
O caso foi parar na Polícia Legislativa do Senado, que abriu inquérito para apurar os fatos e deve concluir as investigações dentro de 30 dias. O processo corre em sigilo. O anúncio das ameaças por parte dos senadores gerou reações.
Reações
Na segunda (14), um conjunto de entidades civis se manifestou a respeito do caso. Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Conectas Direitos Humanos, Institutos Igarapé e Sou da Paz, Transparência Brasil e outras organizações assinam uma nota pública em que repudiam o episódio e qualificam as ameaças como “inaceitáveis”.
“Primeiro, numa democracia não se ameaça ninguém que tenha um pensamento diferente do seu. É lei básica de convivência, cidadania, educação, urbanidade. Então, de forma geral, isso é grave”, disse ao Brasil de Fato o gerente de Relações Institucionais do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli.
Ele menciona que a preocupação das entidades com as ameaças aumenta quando se considera que o país vive um ano eleitoral, quando se irão eleger presidente da República, governadores, senadores, deputados federais, estaduais e distritais.
Angelim destaca o fato de o presidente Jair Bolsonaro (PL) “inflamar” a conduta de grupos como o dos CACs. O ex-capitão é, historicamente, um conhecido defensor da política armamentista e crítico do Estatuto do Desarmamento, um dos textos legais que o PL propõe alterar.
“E, quando a gente está falando de um grupo que está buscando acesso a armamento de guerra, é preocupante”, acrescenta Angelim, ao manifestar preocupação com o teor do PL 3723.
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Os defensores do PL
A proposta é relatada pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES), um dos expoentes da chamada “bancada da bala”, principal interlocutora do PL no Congresso Nacional. Em Brasília (DF), lobistas alinhados à política de armamento da população têm batido ponto com frequência na porta dos senadores para tentar convencê-los a aprovar o texto.
Entre os principais argumentos, os defensores da pauta apontam que o projeto seria importante para dar “segurança jurídica” para os CACs. “É uma grande balela porque clube de tiro, colecionismo e mesmo a caça não são coisas que estão sendo inventadas agora. Não foi o governo Bolsonaro que inventou essa coisa de CACs”, pondera Felippe Angeli, ao afirmar que tais práticas vigoram no país “há décadas”.
“Nunca houve ameaça a clubes de tiro, colecionadores de armas e, mesmo em 2003, quando foi aprovado o Estatuto do Desarmamento, esses esportes nunca foram impedidos de ser praticados, portanto, não há insegurança numa situação em que tudo sempre funcionou”, argumenta o gerente de Relações Institucionais do Instituto Sou da Paz.
Riscos
As entidades civis que acompanham o debate sobre o tema no Congresso levantam a preocupação de, em caso de aprovação final, o PL provocar o desvio de armas de fogo para que esse arsenal ajude a irrigar o mercado paralelo do crime organizado no país. Para tais organizações, as facilidades criadas pelo projeto terminariam inevitavelmente nesse horizonte.
Em nota técnica publicada em meados de fevereiro deste ano, os institutos Sou da Paz e Igarapé afirmaram que a emergência do PL no debate público vem após uma série de episódios que ilustraram os riscos envolvidos nesse tipo de proposta.
“No final de janeiro, Victor Furtado, registrado como CAC no Exército, foi preso junto com um arsenal de mais de R$ 3 milhões que seria comercializado para o crime organizado no Rio de Janeiro. No último dia 10, a Polícia Federal deu início à Operação Confessio, contra um esquema de falsificação de documentos emitidos pelo Exército para facilitar a venda e o porte de armas”, exemplifica o documento.
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Ampliação
Um dos pontos considerados mais críticos do status atual do jogo político é o fato de o relator ter acatado emendas sugeridas por senadores que propuseram que o acesso ao porte de armas fosse facultado a diferentes categorias.
Entre elas, estão procuradores dos estados e municípios, parlamentares do Congresso Nacional e fiscais agropecuários. “Ou seja, virou uma festa do caqui, uma verdadeira farra”, diz Felipe Angelim, ao criticar a ampliação.
Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Fabiano Contarato (PT-ES) chegaram a apresentar votos em separado pedindo que a CCJ rejeite o PL, que já foi chancelado pela Câmara dos Deputados. Enquanto o tema não é votado na comissão, o Senado segue sob um intenso jogo que opõe bolsonaristas pró-armas e opositores.
“O fato é que o projeto é complexo, mal elaborado do ponto de vista da técnica legislativa, cujas propostas não atendem ao que diz o relator, que diz que busca segurança jurídica. A gente defende que esse PL seja inteiramente rejeitado”, encerra Angeli.
Edição: Rodrigo Durão Coelho