As ações passaram a ganhar visibilidade e, como se diz no RS, se “espraiaram" para outros locais
Por Adriane Canan*
Rosane da Silva Becker é agricultora e extrativista que vive no interior de São Francisco de Paula, nos Campos de Cima da Serra do Rio Grande do Sul. Rosane sabe bem da importância da ampliação qualificada das políticas públicas para quem, como ela, trabalha com extrativismo na região. “A agroecologia e o extrativismo representam uma boa parte da renda para o município e merecem ser valorizados”, afirma ela. Com a filha Jaqueline, de 18 anos, que está se formando como técnica agrícola, Rosane toca uma pequena propriedade na comunidade de Fazenda Velha. No local, elas estão fazendo a transição do sistema de produção convencional para a agroecologia, têm uma agrofloresta e trabalham com extrativismo de frutas nativas, como o guamirim, e com casca de araucária. Foi a partir de experiências como a delas, e também de outras múltiplas formas de viver a partir da prática extrativista, que surgiu a questão que permeou a incidência da iniciativa Agroecologia nos Municípios, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), em São Francisco de Paula: “O que podemos melhorar no trabalho com o extrativismo?”.
Com mediação do Centro de Tecnologias Alternativas Populares (Cetap), a proposta foi elaborar um diagnóstico da situação e identificar as principais necessidades de trabalhadoras e trabalhadores locais que lidam diretamente com o extrativismo, além de articular órgãos públicos, setores do turismo, da saúde, comércio e outros agentes. A partir desse levantamento, a construção de um Plano Municipal de Apoio e Promoção ao Extrativismo Sustentável (PMAPES) ganhou bases concretas e agora segue em discussão com mais potência. O pinhão, semente da Araucária, símbolo cultural da região e do município, tem sido o protagonista neste momento, mas a ideia é trabalhar com a diversidade de espécies nativas. De acordo com Tiago Zilles Fedrizzi, do Cetap, o objetivo central é o apoio e promoção do uso da sociobiodiversidade nativa como forma de conservação ambiental e geração de renda, ainda mais em um contexto de avanço da conversão de áreas de campo nativo e florestas para a agricultura convencional. “Portanto, uma estratégia de conservação pelo uso das espécies nativas e manutenção da paisagem agrícola e cultural no território”, explica ele.
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As principais demandas identificadas
Foram realizados inúmeros encontros e conversas envolvendo grupos de agricultoras e agricultores familiares, extrativistas, sujeitas e sujeitos sociais que têm sua vida ligada às práticas do extrativismo. Também foram aplicados questionários e realizadas oficinas de formação e sensibilização para o uso das plantas nativas para além da alimentação, como na produção de óleos essenciais e hidrolatos.
Entre as principais demandas identificadas no diagnóstico estão questões estruturais, de segurança e comercialização, capacitação e sucessão. Na infraestrutura: aquisição de máquinas e equipamentos que contribuam no manejo da debulha das pinhas, armazenamento em câmara fria para escoamento e melhor preço, central de recolhimento e distribuição coletiva e melhoria nas estradas de acesso ao interior; na segurança: equipamentos e capacitação para ascensão nos pinheiros, de modo a reduzir mortes e acidentes; na comercialização: acesso a mercados que valorizem o produto e menor dependência dos atravessadores; na capacitação: sensibilização das boas práticas/possibilidades de uso das espécies nativas; e, por fim, na sucessão: estímulo à reposição e regeneração das espécies nativas (incentivo econômico).
“A partir do envolvimento e construção das ações de sensibilização, passamos a nos dar conta que, embora pouco visibilizada, a atividade do extrativismo do pinhão representa, do ponto de vista econômico, social e ambiental, um sistema de produção agrícola fundamental para a manutenção de centenas de famílias durante a safra, seja pela comercialização para intermediários, seja para consumo. Portanto, fundamentais para a segurança e soberania alimentar das famílias rurais ou urbanas”, destaca o relatório produzido pelo Cetap a partir da incidência em São Chico, como é popularmente conhecida a cidade.
O diagnóstico aponta também que boa parte das pessoas envolvidas na atividade não possui terra, dependendo, então, da coleta em áreas de terceiros ou áreas públicas, que são as que mais têm sido transformadas na direção da chamada agricultura convencional. “Assim, a experiência prévia passa a sugerir caminhos a serem construídos na incidência política, como a visibilidade da atividade do extrativismo e necessidade de valorizar trabalhadores e trabalhadoras que existem e resistem na atividade”, aponta o relatório do Cetap.
Envolvimento do poder público em vários setores
Diversas Secretarias Municipais que, direta ou indiretamente, têm relação com a temática foram envolvidas. A Secretaria do Desenvolvimento Social, através do Centro de Referência em Assistência Social (Cras), por exemplo, teve participação importante na aplicação do questionário junto ao público assistido. A atual Secretária Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade, Michele Knob Koch, salienta que o trabalho realizado foi de extrema importância para São Francisco de Paula. “Foi um processo de envolvimento de muitas áreas que o município não teria condições de desenvolver sem a incidência que houve a partir do Cetap, que já conhece bem a nossa realidade, e da iniciativa Agroecologia nos Municípios. O que temos agora é um banco de dados mais concreto para buscar avançar nas políticas públicas”, afirma Michele Knob Koch, que também é presidenta do Conselho Municipal de Meio Ambiente.
Selo “Estabelecimento Amigo das Frutas Nativas”
O setor de turismo também participou. Muitos espaços de hotelaria têm interesse em apostar nos pratos tradicionais à base de frutas e sementes nativas, como o pinhão. Tiago Zilles Fedrizzi, do Cetap, aponta que para São Francisco de Paula, que já possui forte impulso no turismo ecológico, dar mais luz às práticas agrícolas históricas calcadas na esfera do extrativismo sustentável é a possibilidade de mostrar que floresta em pé é floresta que traz, também, retorno econômico.
Neste sentido, no mês de novembro de 2021, foi realizada em São Chico uma rodada de negócios dos produtos das frutas nativas do Rio Grande do Sul, com participação de vários agentes locais articulados pelo Cetap, como produtoras e produtores, empreendimentos do setor turístico, Prefeitura Municipal, Secretaria de Turismo e Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade. No evento, foi apresentado o selo da marca Estabelecimento Amigo das Frutas Nativas. O selo faz parte da iniciativa da Cadeia Produtiva Solidária das Frutas Nativas, uma estratégia que já vem trazendo resultados em várias regiões do Rio Grande do Sul.
Para além de São Chico
As ações no município passaram a ganhar visibilidade e, como se diz no Rio Grande do Sul, se “espraiaram” para um território mais amplo. Destaca-se uma articulação de abrangência regional: o Condesus (Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável dos Campos de Cima da Serra). No consórcio, a discussão avançou para a construção de um edital que estimule ações na mesma direção em todos os 12 municípios participantes.
*Adriane Canan é comunicadora popular da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
**Acompanhe a coluna Agroecologia e Democracia. A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) é um espaço de diálogo e convergência entre movimentos, redes e organizações da sociedade civil brasileira engajadas em iniciativas de promoção da agroecologia, de fortalecimento da produção familiar e de construção de alternativas sustentáveis de sistemas alimentares. Leia outros artigos.
***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo