Embora representem quase 30% da população, as mulheres pretas ainda são minoria nas empresas de tecnologia do Brasil e ocupam apenas 11% dos cargos no setor. Os dados estão compilados em pesquisa divulgada pela iniciativa PretaLab, que aponta questões estruturais na base do problema.
O cenário não é novo e foi observado em estudos anteriores da PretaLab. No contexto de crise atual, no entanto, ele se perpetua e é reforçado. De acordo com dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a taxa de desemprego entre mulheres pretas em 2020, primeiro ano da pandemia, representou o dobro dos índices observados entre homens não negros.
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Mudar essa realidade pode significar um salto consistente no mercado de tecnologia brasileiro, que tem déficit de 24 mil profissionais por ano, de acordo com a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom).
Nos países em que a diversidade de gênero é maior em cargos executivos, por exemplo, as chances de lucro aumentam mais de 20%, segundo a iniciativa PretaLab. Na análise da diversidade étnica o resultado é ainda mais positivo e a possibilidade de incremento nos ganhos é de 33%.
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“É um quadro de injustiça social, mas não apenas: ao distanciar as mulheres negras do protagonismo na produção de inovação, o Brasil desperdiça oportunidades de avançar econômica e tecnologicamente. Com um ecossistema tecnológico pouco diverso e representativo, o país se mantém refém de tecnologias enviesadas e de soluções menos criativas”, afirma o relatório da PretaLab.
Dados levantados na pesquisa #QuemCodaBR, que entrevistou profissionais do setor, mostram que as mulheres compõem menos de 20% das equipes. Uma entre cada três pessoas entrevistadas disse que não trabalha com nenhuma pessoa negra no time.
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Estrutura precisa mudar
O problema é anterior ao mercado de trabalho. Já na formação, a presença de mulheres em geral é baixa nos cursos de tecnologia. Segundo o Censo da Educação Superior de 2019, elas ocupam menos de 15% das cadeiras universitárias em todas as áreas pesquisadas. Dos jogos digitais às engenharias, os homens sempre representam mais de 85% entre o total de estudantes.
Sil Bahia, codiretora executiva do Olabi, organização social criadora da PretaLab, afirma que a desigualdade não nasce no setor da inovação. “Quando falamos que as mulheres negras não estão totalmente representadas nesse espaço de tecnologia, estamos falando de uma desigualdade estrutural, a partir do racismo e do machismo, que é como se funda a nossa sociedade brasileira.”
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O enfrentamento do problema, na opinião dela, precisa ser estruturado e baseado em um conjunto de soluções. “Não existe uma solução, mas sim soluções. O que temos trabalhado aqui na PretaLab está muito focado no campo da formação e nessa ideia de abrir espaço e diálogo no mercado de trabalho sobre como absorver esses talentos."
A analista de inovação, Isabelle Lemos, atua hoje em um dos principais parques tecnológicos do Brasil e conta que no início da vida profissional não cogitava seguir carreira em tecnologia justamente pelo estereótipo social do setor, que é reforçado pela sociedade.
“Esse universo sempre me chamou atenção, mas por ter tido uma educação sexista e por essa cultura de que mulheres são mais habilidosas com áreas de humanas, de saúde, profissões que envolvem ensinar, servir, cuidar, eu acabei não considerando esse universo.”
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Para sair dessa dinâmica, Isabelle buscou referências e encontrou a PretaLab. Ela narra que foi impactada pela ideia de que sem participação no ambiente da inovação, as mulheres perdem o poder de intervenção no mundo, “Se não nos aproximarmos dessa linguagem, não vamos poder intervir no que está sendo construído.”
Chamado à ação
Sil Bahia ressalta que o relatório da PretaLab também é um chamado à ação. Para reverter a ausência de mulheres pretas e de diversidade em geral no mercado de tecnologia é preciso atuação contínua, mesmo após as contratações.
"A realidade não é só sobre criar essa fontes. Tem um trabalho interno que o próprio sistema corporativo precisa fazer que é de criar um ambiente saudável para que essa diversidade possa aparecer. Estamos falando de respeito à subjetividade e à humanidade de pessoas que não compõem esse grupo homogêneo de homens brancos e cisgêneros, que é o que está presente hoje na tecnologia.”
Para a profissional da área Isabelle Lemos, a construção de futuros justos passa essencialmente pela diversidade na construção da tecnologia e da inovação. A jornada, no entanto, tem desafios consideráveis que se manifestam na linguagem usada nesses ambientes, nas diferenças salariais e em preconceitos cotidianos. “O nosso imaginário ainda associa muito a tecnologia e a inovação a essa figura masculina, a esses corpos brancos. O acesso é um acesso de poder, de conhecimento e de dinheiro também", reflete.
"Vez ou outra eu vejo olhares surpresos, mas estou aprendendo a devolver essa surpresa para o outro. Eu, enquanto mulher negra, não caibo nesse imaginário que a branquitude reservou para as mulheres negras. É um imaginário muito limitado. É sério que vocês pensam que a gente só pode ir até aqui? É um processo terapêutico se desligar desse imaginário e dizer, a limitação é de vocês", finaliza.
Edição: Vivian Virissimo