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Salvando nascentes e fazendo agroecologia: conheça o assentamento Eli Vive, do MST no Paraná

Área em Londrina (PR) é a maior da reforma agrária em região metropolitana do Brasil: 501 famílias em 7,5 mil hectares

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Um dos principais alimentos produzidos pelo agricultor João Neto Perozzi é a cebolinha - Caroline Oliveira

O pré-candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visita neste sábado (19) o Assentamento Eli Vive, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que fica no distrito de Lerroville, a 50 quilômetros de Londrina (PR).  

Depois de 13 anos de existência, quando foi homologado por Lula em 19 de fevereiro de 2009, o assentamento hoje é a maior área de Reforma Agrária em região metropolitana do Brasil. No total, são aproximadamente 501 famílias assentadas, em torno de 3 mil moradores, vivendo em 7,5 mil hectares.  

Conheça a história de famílias do Assentamento Eli Vive 

Uma dessas famílias é de Jovânia Cestille, de 48 anos, dos quais 23 são dedicados ao MST. A agricultora chegou ao assentamento quando este ainda era apenas um acampamento, em 2011, e conseguiu um pedaço de terra em 2013, quando aconteceram sorteios dos lotes.  

Do seu chão, onde só tinham três árvores quando chegou, Cestille consegue tirar a alimentação e a renda da família, com a venda de hortaliças e plantas medicinais que se transformam em óleos essenciais, principalmente.  

“A gente sonhava com um lote que tivesse árvores e um riozinho. Mas quando a gente chegou aqui tinham três árvores, o que trouxe para a gente a missão de reflorestar. Então, em 2016 a gente começou a plantação da nossa agrofloresta. A gente tem arvores para madeira, nativas da região, como ingá, jaracatiá, uvaia, gabiroba, café, e plantas medicinais para a produção de óleos essenciais. A gente tem também as hortaliças”, afirma a agricultora. 


Jovânia Cestille tem 48 anos, 23 deles dedicados ao MST / Vitor Shimomura

Uma parte dos produtos é comercializada no Feirão da Reforma Agrária em Londrina, o segundo maior município do Paraná. Outra parte, como a maioria dos produtos do assentamento do Eli Vive, é destinada às merendas das escolas estadualis e municipais, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), criado em 2009, no segundo governo do ex-presidente Lula, que oferece alimentos da agricultura familiar nas escolas e ações de educação alimentar e nutricional aos estudantes. 

Com a distribuição dos alimentos produzidos no assentamento, Jovânia Cestille vê na prática como a reforma agrária pode mudar a vida dos assentados e melhorar a de outras pessoas. “Mesmo sem acesso a créditos, infraestrutura básica, a gente produz muito alimento. A gente doou aproximadamente 60 toneladas de alimentos. Então, a gente consegue produzir para gente, partilhar com quem está passando necessidade, gerar renda e produzir para a emenda escolar. São vários aspectos da reforma agrária popular que beneficia não só quem está no assentamento, mas toda comunidade em volta”, afirma Cestille. 

Cristiane Ferreira dos Santos 

Uma das vidas que também foi transformada pela reforma agrária é a de Cristiane Ferreira dos Santos, de 36 anos, que também chegou ao assentamento quando ainda era um acampamento. Filha de assentada, hoje Santos é uma das maiores produtoras de leite de vaca do assentamento. São entre 200 e 300 litros por semana entregues para a Agroindústria de Leite da Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária União Camponesa (Copran), localizada no Assentamento Dorcelina Folador, também aos redores de Londrina, da onde o leite segue para as demandas do PNAE e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). 

“Hoje em dia eu consigo ver que pequenos produtores conseguem produzir muito mais do que uma mega fazenda. Aqui era uma enorme fazenda, mas só tinha uma linha de produção, e aqui dentro hoje a gente consegue ter vários produtos e dar acesso à terra a mais pessoas. Aqui, tem gente que planta cará, inhame, mandioca, batata, horta, morango, tomate, pepino. É algo assim [como a reforma agrária] que torna [a terra] mais acessível para um número maior de gente para produzir e alimentar a população que está na cidade”, afirma Santos. 


Cristiane Ferreira dos Santos, de 36 anos, também chegou ao assentamento quando ainda era um acampamento / Caroline Oliveira

“Se essa fazenda estivesse, como ela estava, em poder só de uma pessoa não teria essa produção enorme. Se a gente tivesse mais projetos que dessem a mais pessoas a ter essa oportunidade que eu tive de ter um pedaço de chão e plantar, eu acho que a gente não estaria enfrentando uma escassez de alimentos ou com preços abusivos, como estamos.” 

João Neto Perozzi 

O agricultor João Neto Perozzi, de 49 anos, que está no assentamento também desde o início, também celebra as conquistas dos assentados desde 2009. Hoje ele e sua esposa conseguem se sustentar com o que tiram da terra. Na manhã em que a reportagem do Brasil de Fato conversou com agricultor, foram 200 quilos de pepino colhidos apenas naquele dia que estava começando. Além do pepino, Perozzi também produz cebolinha, salsinha, mandioca, couve, beterraba, entre outros alimentos para o PNAE e PAA. 

“Quando a gente chegou, lembro que meu sogro virou para a minha esposa e falou que aqui só tinha borrachudo e mais nada. E a gente veio com a cara e coragem, desbravando devagar e trabalhando para os outros até conseguir ir construindo algo nosso. Ficamos 10 anos produzindo leite e agora estamos indo para as hortaliças”, afirma Perozzi.  

“Foi um sonho que a gente realizou dentro da reforma agrária.A gente tem o sonho de ver aquele que está esperando pegar também. Onde um dominava hoje são 501 famílias que arrancam daqui o sustento. Se tivéssemos mais 10 ou 15 assentamentos como esse, tinha muito mais gente comendo do que passando fome.” 


Um dos principais produtos vendidos por João Neto Perozzi é o pepino / Caroline Oliveira

Uma de suas filhas que estudou nas escolas do assentamento hoje é nutricionista, faculdade que realizou com a ajuda do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) – criado em 1999 no governo de Fernando Henrique Cardoso – e atua como funcionária pública. “Hoje a gente tem uma filha que é nutricionista. Mas no início, quando a gente desceu para o lote, ela andava quatro quilômetros a pé, caindo pelas estradas até o terceiro ano dentro do assentamento”, relembra Perozzi. 

Por trás da conquista estão as três escolas construídas em 2011 pelos próprios assentados, cuja gestão passou para os governos municipal e estadual em 2016. Hoje, ao todo são cerca de 400 assentados que estudam nas escolas.  

“Reforma agrária é possível” 

A partir dessas e outras experiências, Sandra Ferrer, de 47 anos, uma das assentadas e coordenadora política do local, afirma que o assentamento também é importante para mostrar que a reforma agrária é “possível e necessária”.  

“Esse projeto está mostrando que é possível fazer a reforma agrária. É possível a agroecologia não só na produção. Agroecologia não é só produzir comida, é produzir ideias, vida, saúde. Nós estamos aqui com famílias que estavam acampadas que um dia precisou de doação e hoje estão doando toneladas e toneladas de alimentos que não são só para alimentar o corpo e a alma, mas para levar esperança de um futuro melhor”, afirma Ferrer.  

O assentamento irá doar cerca de 60 toneladas de legumes, grãos, panificados, frutas e lácteos produzidos pelas famílias em forma de cestas entre os dias 20 e 21 de março.   

O assentamento também tem um trabalho de proteção das mais de 100 nascentes que existem no território. “Nós já conseguimos proteger mais de 100 minas d'água. E com isso a gente conseguiu até trazer os passarinhos de volta. Lá no meu lote eu levanto de manhã cedo e tem passarinho. Antes não tinha. Era puro pasto”, comemora Ferrer sobre as mudanças no meio ambiente."


No assentamento desde a formação, Sandra Ferrer hoje é uma das coordenadoras políticas do Eli Vive / Caroline Oliveira

Copacon e agroindústria 

Nos últimos anos os assentados vêm investindo no desenvolvimento da Cooperativa Agroindustrial de Produção e Comercialização Conquista (Copacon), existente no assentamento desde 2015. 

Segundo Fábio de Paula Hardt, presidente da Copacon, hoje são três linhas de comercialização dos produtos de assentados. Uma é a de hortifruti, que engloba hortaliças, frutas e tubérculos; a segunda é a dos feijões, preto e carioca, produzidos dentro do assentamento Eli Vive e em outros locais do Paraná; e a terceira linha é da agroindústria dos derivados do milho livre de transgênicos, com desenho para orgânica em curto espaço de tempo, que será inaugurada em breve. 

“Já iniciamos o processo de certificação da indústria para receber milho orgânico aqui de diversas áreas, não só do assentamento. Tem um raio de abrangência de 300 quilômetros, então é possível ter sócios em toda essa região”, explica.  

Hardt também fala sobre a prioridade aos produtos de milhos orgânicos. Em cima do milho orgânico, a agroindústria irá pagar 30% a mais em cima do valor original. Além disso, há um acompanhamento mais próximo do agricultor a fim de garantir a produção sustentável e de qualidade.  

Com a inauguração da agroindústria será possível produzir por dia 20 toneladas de derivados do milho para consumo humano e 40 toneladas de ração feita a partir do milho, sob a marca Campo Vivo.  

Edição: Rodrigo Durão Coelho