O pagode é um estilo que é sempre uma rebelião social
Nada do axé. Um outro ritmo é que embala o swingue e as batidas nos bairros de Salvador.
"O pagode, na verdade, não é você quem escolhe cantar pagode. Eu sempre costumo dizer que o pagode te escolhe. Ele te elege", opina Aila Menezes, um dos grandes nomes do pagodão baiano.
Incrementar o samba com instrumentos eletrônicos, e misturar batidas de outros ritmos dançantes, como o funk, é uma das marcas do pagodão. Também é notado na dança. Há quem diga que se há coreografia, é pagode.
Mas para quem tenta enquadrar o ritmo dentro do Axé Music, ele é bem distinto. A origem vem do lundu, da cabila da umbigada. Ritmos tradicionalmente feitos dentro dos quilombos, e embalados por atabaques.
Samba e periferias
Os tipos de samba surgem dessas raízes das religiões de matriz africana. E o pagode se transforma a partir de um deles, o samba de roda.
"O pagode, a gente pode pensar principalmente a partir da musicalidade. E é a musicalidade que surge e é formada a partir do samba de roda do recôncavo da Bahia. O samba de roda de Santo Amaro, de Cachoeira, de outras cidades como São Félix, é transformado por essas bandas, esses grupos de Salvador", explica o antropólogo Gímerson Roque, que organiza a Cartografia do Pagodão Baiano.
O ritmo, ainda marginalizado por nascer das periferias e dos paredões, se popularizou em meados dos ano 1990, no embalo do Gerasamba e de É o Tchan.
"O Pagode é um grande formador de identidades e identificação na periferia, especialmente entre os jovens, que é sobretudo o grande público que houve, que curte", aponta o pesquisador.
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A vez das mulheres
Na visão de Aila Menezes, a essência do pagode surgiu mesmo com o groove arrastado. Fã de Alcione e Elis Regina, Aila começou na arte com o balé, aos 5 anos, onde já pedia para dançar clássicos do É o tchan nos festivais infantis.
Hoje, ela é uma das artistas que conduzem o novo cenário do pagode baiano. Um novo momento que tem a voz, o corpo, e a força das mulheres.
"O pagode é um estilo que é sempre uma rebelião social. Ele sempre convida a gente a refletir sobre alguma coisa. Seja com suas letras, seja com o seu ritmo que faz nossos quadris balançarem de forma inconsciente".
"O pagode eu costumo dizer que ele é um grito que a sociedade não quer ouvir. E nós mulheres estamos nesse momento de gritar por independência, liberdade, protagonismo", avalia Menezes, que em 2007, formou a Afrodite, a primeira banda composta inteiramente por pagodeiras.
Aila conta que ao contrário do Axé, que têm mulheres em destaque, como Ivete Sangalo, Daniela Mercury e Margareth Menezes, o pagode encontrou historicamente mais dificuldades para ressaltar o protagonismo feminino.
"Eu acho que as mulheres, de certa forma, elas sempre foram protagonistas no pagode. Seja por uma perna, o lindo bumbum, ou seja porque alguma música falava delas. A mulher sempre foi de certa forma citada, protagonista na cena do pagode. A gente só não tinha voz", analisa.
"Nós éramos corpos hipersexualizados que dançavam. Corpos que chamavam a atenção e estavam à frente da banda sem a voz. Mas hoje nós somos cérebro, bumbum, voz, pernas, corações, cérebros pensantes e ativos", completa.
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Potencializar as vozes femininas
O swingue, a sensualidade, e as vozes políticas também marcam o groove e as coreografia de outras mulheres, como A Dama do Pagode e A Travestis.
Potencializar a ascensão feminina no gênero foi que impulsionou a criação do projeto Pagode Por Elas, hoje a principal plataforma de difusão e pesquisa do trabalho das pagodeiras baianas,
Um show da banda Afrocidade, em 2019, em que a então percussionista Fernanda Maia, tomou o protagonismo do palco, exaltando o público, foi um dos gatilhos para o início da iniciativa.
"Quando uma mulher se coloca nesse lugar de protagonismo, de escrever a sua verdade, de escrever as suas vivências, automaticamente ela já está criando uma contra narrativa. Uma contra narrativa potente porque a partir de uma perspectiva dela, né? De um poder que ela tem sobre o seu próprio corpo e sobre as suas próprias vontades", explica Joyce Melo, diretora executiva do projeto.
Essa contra narrativa vive na potência de nomes promissores como o de Dai, que completa 5 anos de carreira em 2022: "A gente está sempre batendo na tecla. Que mulher, principalmente nós mulheres pretas, podemos ser tudo", destaca a cantora.
Ela carrega em sua arte a força de uma mulher que cresceu no Alto das Pombas, subúrbio soteropolitano.
"O pagode ele vem da periferia, ele é um ritmo periférico. Então sempre foi muito forte a cultura do pagodão e isso veio comigo desde a infância", conclui.
Edição: Daniel Lamir