Enquanto o mundo luta para sair da pandemia, uma guerra na Europa, com repercussões globais, altera substancialmente o panorama dos próximos meses e anos. Neste conturbado cenário o Brasil, que ainda não se recuperou da depressão iniciada em 2015, irá às eleições, preocupado não apenas com o caótico cenário econômico de curto prazo e com as pautas social e ambiental dos próximos anos, como também com a estabilidade do próprio sistema democrático e de suas instituições. Neste contexto, quais serão os principais desafios econômicos do próximo governo?
Com o crescimento de 4,6% registrado em 2021 o país conseguiu recuperar a queda do nível de atividade econômica causada pela crise pandêmica, sem, contudo, voltar ao patamar real de produção observado em 2014, antes da depressão (da qual, portanto, ainda não saiu). Em um contexto de economia estagnada e com as taxas de inflação e desemprego na casa dos dois dígitos, é fácil constatar que o próximo governo terá um enorme desafio pela frente, ainda mais tendo-se em mente as dificuldades impostas pela guerra entre Rússia e Ucrânia.
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Sem dúvida a prioridade do próximo governo deverá ser o crescimento econômico e a geração de empregos. A depressão da última década não só empobreceu o país, como concentrou renda e elevou os indicadores de pobreza. A situação já era caótica até 2020, uma vez que, depois que a economia parou de encolher, estagnou seu crescimento. Com isso a taxa de desemprego oscilou entre 11% e 13%, enquanto milhões de pessoas eram jogadas na pobreza extrema e o país voltava ao mapa da fome. Ao mesmo tempo houve um forte processo de retirada de direitos e de concentração de renda. A crise pandêmica, por sua vez, ceifou a vida de centenas de milhares de pessoas, fez a economia encolher e escancarou ainda mais as desigualdades sociais.
Outra consequência perversa da pandemia foi trazer de volta a aceleração dos preços, registrada nos aumentos da taxa de inflação. Com a perspectiva de retomada do crescimento, a desarticulação de diversas cadeias produtivas gerou um forte aumento dos preços da energia e das matérias primas, pressionando a inflação. E a inépcia do governo brasileiro agravou ainda mais o processo, ao manter um patamar muito desvalorizado do câmbio (que encarece produtos transacionáveis internacionalmente); realizar uma política de precificação esdrúxula na Petrobras (atrelando o preço dos combustíveis ao mercado externo, favorecendo os acionistas em detrimento da população); fazer um péssimo planejamento do setor elétrico; e abandonar os estoques reguladores de alimentos.
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E o panorama para os próximos anos não é nada favorável. A aceleração dos preços internacionais das matérias primas e da energia, que já vinha ocorrendo nos últimos anos, tenderá a continuar ou mesmo piorar por conta do conflito na Europa que envolve dois grandes exportadores de commodities como petróleo, milho e trigo. O consequente aumento nas taxas de inflação tende a impelir os diversos governos ao redor do mundo a adotar medidas monetárias restritivas e elevar os juros. Isto não apenas desacelera a (já lenta) economia global, como obriga os países emergentes a elevar também seus juros sob risco de fuga de capitais, desvalorização cambial e crise no balanço de pagamentos.
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Some-se a este cenário extremamente desfavorável os erros e amarras autoimpostas ao Brasil, e tem-se ideia do tamanho do desafio do próximo governo. Uma vez que a locomotiva do crescimento não será o mercado externo e nem o setor privado, caberá ao setor público impulsionar a economia, e para tal é preciso recuperar a capacidade do Estado de realizar política econômica, fundamental tanto para a retomada do crescimento quanto para o controle da inflação.
Neste sentido, em primeiro lugar é preciso revogar o teto de gastos, aberração institucional que, além de inviável (tendo sido descumprido em 2020 e 2021), é totalmente contraproducente para a recuperação da economia. Em não havendo restrição de dólares, o governo tem toda a capacidade de realizar política fiscal para promover o crescimento, e o arcabouço fiscal deve alinhar-se a esse objetivo, deixando de lado o terrorismo habitualmente associado à defesa do “equilíbrio” das finanças públicas. No atual quadro catastrófico que nos encontramos investimentos públicos e gastos sociais são necessários e inadiáveis.
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A política monetária, associada a algum nível de controle do fluxo de capitais internacionais, deve buscar a estabilização do câmbio em patamares não muito depreciados, de modo a não catalisar o processo inflacionário em curso. Neste sentido, e de forma complementar, deve-se também abandonar a atual política de preços da Petrobras instituída no governo Temer, de modo que os preços dos combustíveis se associem aos seus custos de produção em moeda nacional. E a prazos maiores a empresa deve aumentar sua capacidade de refino, reduzindo suas exportações de petróleo bruto (que podem ser eventualmente taxadas de modo a constituir um fundo para subsidiar o preço dos combustíveis).
A questão tributária, apesar de complexa, também precisa ser encarada. Uma reforma que aumente a progressividade do sistema, elevando a taxação sobre quem ganha mais e reduzindo sobre quem ganha menos, deve ser pautada. Trata-se também de uma excelente oportunidade de estimular a sustentabilidade ambiental, preocupação, aliás, que deve ser transversal à toda política econômica.
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Em suma, serão enormes os desafios econômicos impostos ao próximo governo eleito. Se, por um lado, é possível e urgente retomar o crescimento com distribuição de renda no país, por outro é necessário reconhecer o conflito de interesses que permeia a tomada de decisões no âmbito da política. E, nos últimos anos, os interesses externos e de parcelas da elite vêm se sobrepondo àquele da maioria da população brasileira. Cabe a ela ajudar na construção de candidaturas alinhadas com seus interesses, chancelá-las nas urnas, e dar o apoio político necessário para que o programa eleito não se desvirtue de uma agenda comprometida com os interesses da maioria.
*Luciano Alencar Barros é doutorando pelo Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo