Um nigeriano narrou à DW suas tentativas fracassadas de escapar de uma cidade portuária. "A gente [andou] por algumas áreas críticas já bombardeadas e chegou ao ponto de controle. Então, a cerca de 15 metros de distância de nós, eles [tropas russas] apontaram [armas] para nós", conta à DW Jeremiah Akpan, estudante nigeriano retido em Kherson, na Ucrânia.
A cidade portuária com cerca de 290 mil habitantes perto do Mar Negro foi uma das primeiras a cair nas mãos das forças russas no início de março.
"Eles não disseram uma palavra; apontaram para nós, tanto os tanques quanto as pessoas armadas", disse Akpan. Além dele, havia cinco homens jovens no veículo: o motorista, um palestino, três egípcios.
"Um cara pegou uma bandeira egípcia, e começou a agitar. Eles nos mostraram para voltar atrás, sem dizer uma palavra. Foram só sinais com as mãos de que era para voltarmos. Então retornamos." A primeira tentativa fracassada de fuga aconteceu em 24 de fevereiro 2022, dia em que a guerra começou, lembra Akpan, estudante no segundo ano de navegação marítima.
Abrigo num bunker
De volta a Kherson, Akpan procurou um esconderijo no porão de sua escola. Ainda esperançosos, no dia seguinte, ele e outros três telefonaram para um taxista de fora da cidade.
Havia bloqueios de estrada por toda parte, mas ele concordou em ir buscá-los, apesar dos riscos envolvidos. Assim começou outra aventura para sair de Kherson. Não haviam ido muito longe, quando soldados russos os pararam novamente.
O motorista desceu, dirigiu-se aos soldados e implorou, alegando que eles eram estudantes internacionais. "Mas eles ficaram gritando e lhe dando empurrões no peito. Não sei o que estavam dizendo. Foi tão terrível", disse Akpan. "Finalmente vieram com o motorista e esvaziaram os pneus. Eu não sei qual era a discussão."
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Os jovens abandonaram rapidamente o táxi, foram para o outro lado da estrada e assistiram em silêncio, com o coração na boca. Depois de esvaziar os pneus, os soldados partiram. Por sorte, o motorista tinha estepes, e trocou os pneus. Porém em seguida levou os passageiros de volta a Kherson.
Akpan se refugiou no porão da escola, e outros se juntaram a ele, em busca de proteção. Desde então, diferentes indivíduos entraram em contato, enviando outros estrangeiros para se abrigarem no porão ou para ele ajjudá-los. Os números crescem a cada dia.
Na terça-feira (15/03), havia 87 nomes na lista de Akpan. Como líder dos estudantes estrangeiros em Kherson, ele é responsável por todos. A Nigéria confirma que ainda há cerca de 80 estudantes em Kherson aguardando a evacuação.
Detidos e mantidos em sala suja
No domingo, 13 de março, houve uma terceira tentativa de fuga de Kherson. Quatro estudantes estrangeiros decidiram arriscar a sorte. Akpan não estava entre eles e não tem ideia de quando partiram. Ele diz que os teria desencorajado de ir por conta própria.
Quando chegaram ao terceiro posto de controle, os soldados russos ordenaram que saíssem do táxi. Os militares verificaram seus passaportes e malas, depois mandaram que colocassem suas bagagens de volta no táxi.
O motorista foi forçado a retornar a Kherson enquanto os estudantes ficaram de olhos vendados e mantidos dentro de um tanque militar por cerca de duas horas. Então os soldados conduziram o tanque até um destino desconhecido.
Depois de algum tempo, eles foram empurrados para dentro de um prédio. Quando os soldados finalmente os soltaram, eles estavam numa sala escura com alguns ucranianos. O lugar estava em desordem e cheirava a fezes e urina.
Por volta das 21h00, alguns soldados vieram, vendaram novamente os quatro jovens e os colocaram noutro veículo fornecido pelas tropas russas. Akpan acha que os soldados acharam que o retorno do taxista a Kherson sem os quatro estudantes poderia ser motivo de alarme.
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Os soldados os levaram para um vilarejo e os largaram lá, dizendo-lhes procurassem o caminho de volta. Depois de caminharem na fria noite de inverno, chegaram a pé, quase ao meio-dia do dia seguinte.
"Foi assim que eles conseguiram voltar para Kherson e me deram informações sobre o acontecido", explica Akpan.
Dias mais sombrios pela frente
Danielle Ijeoma Onyekwere, cofundadora da Diaspora Relief, organização sem fins lucrativos que coopera com a embaixada da Nigéria na Hungria para evacuar estudantes da Ucrânia, afirma que a situação em Kherson é mais complicada do que em Sumy.
Os soldados russos não apenas tomaram toda Kherson, mas estão por todos os cantos da cidade. Desse modo, os residentes de Kherson têm medo até de sair de seus apartamentos.
Onyekwere avisa que nenhum estudante deve tentar sair da cidade por conta própria: "Não aconselho a tentativa de evacuação sem o envolvimento dos governos."
Além disso, adverte os estudantes a não serem agressivos com os soldados. "Sou veementemente contra qualquer forma de força com os militares. Eu disse aos estudantes que precisam ser simpáticos, para não agravar a situação."
Os que ainda estão presos devem se dirigir aos soldados com simpatia: "Não tentem forçar sua saída." Onyekwere sente que os estudantes perderam a esperança e a confiança, mas promete que a ajuda está de fato a caminho.
Alguns estudantes estão muito doentes e temem que sua saúde piore ainda mais. Além disso, paira a ameaça de que Kherson sofra bombardeios mais intensos muito em breve. Akpan insiste que a ajuda não pode tardar.
"Conseguimos informações de que os russos estão recrutando mais soldados aqui. Então vai ficar super violento, e é por isso que estamos gritando e pedindo ajuda agora, quando eles ainda podem nos ajudar", apela o jovem nigeriano.