O fio histórico ajuda a interpretar o comportamento do voto feminino que é anti-Bolsonaro
Em pesquisa divulgada na última quarta-feira, 16, se dependesse apenas do eleitorado feminino, o presidente Lula já estaria eleito em primeiro turno, caso as eleições fossem hoje.
O levantamento feito pela pesquisa Genial/Quaest revelou que Lula tem 48% das intenções de voto das mulheres contra 20% dos votos para Jair Bolsonaro. E, nessa composição, considerando os votos válidos, os opositores de Lula não somariam 39%, fator que levaria à disputa do segundo turno.
É importante compreender que essa constatação vai além de qualquer análise antecipada sobre as eleições de 2022 – e quem se diz chocado com os dados, dormiu profundamente nos últimos anos.
O fio histórico ajuda a conduzir e interpretar melhor o comportamento do voto feminino que é, antes de tudo, anti-Bolsonaro. Recuperei algumas pesquisas que marcam a resistência e a insistência permanente das mulheres em dizer à sociedade que o genocida não deveria sequer ter posto o pé na rampa do Planalto.
Datafolha 2018: Bolsonaro era o candidato mais rejeitado entre o eleitorado feminino. Cerca 43% das mulheres entrevistadas não votariam no militar de “de jeito nenhum”.
DataFolha 2019: 56% das mulheres rejeitam a Reforma da Previdência de Bolsonaro
PoderData 2021 (mar): duas em cada três brasileiras refutam o governo, um recorde. Desde dezembro de 2020, a impopularidade do presidente entre as brasileiras cresceu de 49% para 64%.
DataFolha 2021 (mai): Gênero: Apenas 21% das mulheres aprovam o governo contra 29% dos homens. Recorte racial: Mais de 50% dos eleitores que se declararam pretos responderam “ruim ou péssimo”. Já os brancos dão à gestão de Bolsonaro o maior percentual de ótimo ou bom (27%), taxa semelhante à que ocorre entre os pardos (24%). Entre os pretos, são 18%.
DataFolha 2021 (set): Só 18% das mulheres aprovam o governo. Só 17% dos mais pobres aprovam o governo.
Genial/Quaest 2021 (nov): 59% das mulheres rejeitam Bolsonaro e 16% aprovam.
As razões para a rejeição de Bolsonaro têm diversas camadas: desde as mais superestruturais como a legitimação permanente da ‘cultura do estupro’; o impacto profundo de um presidente destilar falas misóginas e machistas, autorizando publicamente todo tipo de violência de mesmo caráter; uma ministra que cumpre o papel vil e nefasto de ser porta-voz da própria destruição; dentre tantos incontáveis esgarçamentos da civilidade tão duramente construída em nossa história colonial – até as mais estruturais como as reformas trabalhista e previdenciária, a crise econômica e social, o descaso com a população na gestão da pandemia, a economia voltada para gerar mais pobreza, miséria e a volta da fome que bate todos os dias na porta dos lares chefiados por mulheres.
Até aqui, temos o diagnóstico, nada novo, do que as mulheres não querem.
Agora, quero me voltar à reflexão sobre o que as mulheres querem. E a escolha do nome do presidente Lula é um indício da complexidade e da capacidade das mulheres em fazer uma leitura profunda sobre o que é necessário para termos direito, enquanto sociedade, a um futuro mais digno.
Em tempo, ao contrário do que a grande mídia tenta impor, não se trata do resultado de uma “polarização imposta” – artifício comumente utilizado pelos grandes veículos para se eximirem de seu papel nefasto de apoio ao golpe de 2016; e também uma forma “sutil” de difundir a ideia de que as mulheres não são capazes de eleger alguém por si mesmas (uma variação de gênero do preconceito contra os votos dos mais pobres).
A escolha das mulheres pelo nome de Lula representa uma profunda compreensão de que a solução para os problemas do país não é uma saída individual, mas sim um esforço coletivo – que parte de um projeto político muito definido e conhecido pela população brasileira: o Brasil para todos e todas.
E isso é possível, não apenas porque Lula é quem é, mas também porque ele representa um projeto político, encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores e Trabalhadoras, de que a redução da desigualdade social é o trilho sobre o qual o país precisa voltar a seguir.
Portanto é a síntese necessária, em tempos tão obtusos, entre as necessidades superestruturais e as mais concretas e imediatas: de que precisamos, sim, fazer a disputa no campo subjetivo, de combater a cultura do estupro, de constranger os baluartes da barbárie, resgatar a civilidade e avançar em terrenos estratégicos como a autonomia dos corpos; e para tudo isso é preciso, ao mesmo tempo, estar viva, não ser violentada, ter comida no prato, um teto onde morar, o acesso à saúde e educação públicas de qualidade e uma forma de gerar renda com direitos garantidos.
E os governos do PT demonstraram concretamente, ao longo de mais de uma década, que é possível operar esse projeto político na realidade e transformar a vida de milhões de trabalhadoras e suas famílias.
Ou seja, a escolha pelo nome de Lula significa abraçar a esperança de uma vida mais digna com os pés no chão e construindo esse país com as próprias mãos. Não delegar o papel de salvador da pátria, mas defender esse país que é muito maior que Bolsonaro, e dizer em alto e bom som o que nós, mulheres, queremos: é ter direito ao futuro, portanto viver com dignidade.
*Anne Moura é feminista, indígena, manauara e petista. Secretária Nacional de Mulheres do PT. Criadora do Projeto Elas Por Elas. Participa do grupo de mulheres do Foro de São Paulo e da Copppal (Conferência Permanente dos Partidos Políticos da América Latina). Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Durão Coelho