Apesar de haver uma parcela de eleitores esperançosos por um acordo interno, a desfiliação da deputada Marília Arraes do Partido dos Trabalhadores (PT) é dada como certa, embora ainda não oficializada.
A parlamentar deve se filiar ao partido Solidariedade e assumir o comando da sigla em Pernambuco, podendo se lançar candidata ao Governo do estado ou ao Senado ainda este ano.
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De acordo com o calendário eleitoral das Eleições 2022, deputados estaduais e federais têm até 1º de abril para trocar de legendas sem correr o risco de perderem o mandato.
No ano passado, Marília reafirmou o desejo de, nas eleições deste ano, participar de disputas maiores, buscando a cadeira no Palácio do Campo das Princesas ou a vaga de Pernambuco no Senado Federal.
No entanto, o PT pernambucano firmou aliança com o PSB, recebendo apoio à candidatura de Lula à Presidência da República e, em troca, dando apoio à candidatura socialista ao Governo. Esse acordo é o que pode afastar Marília do partido.
Oposição ao PSB
Opositora mordaz do PSB no estado, Marília não se colocou publicamente contra a aliança, mas não a apoia. Quando o PT passou a pleitear a vaga no Senado, aliados de Marília afirmavam que ela seria a figura com mais legitimidade para a disputa, haja vista ser a política mais votada do PT no estado.
Apesar de os aliados reivindicarem o espaço nos bastidores , ela própria em momento algum colocou publicamente sua intenção de ser candidata ao Senado numa chapa com o PSB. E num primeiro momento os socialistas também deixaram claro que não confiavam em Marília para caminharem juntos na disputa eleitoral.
O Partido dos Trabalhadores (PT) também retardou muito a definição da indicação, tendo em vista que a candidatura de Danilo Cabral ao governo está decidida há 40 dias. Mas por haver um histórico recente de intervenções nacionais nas decisões dos diretórios em Pernambuco – justamente em resposta às disputas internas que por vezes travam as decisões – o senador Humberto Costa pediu ao diretório nacional que não intervisse desta vez.
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O resultado foi uma série de reuniões em que os candidatos à vaga só aumentavam, sem qualquer definição. Outros postulantes são o deputado federal Carlos Veras, a deputada estadual Teresa Leitão e o ex-deputado estadual Odacy Amorim.
Contradição?
A posição de Marília Arraes foi aparentemente contraditória. Desejosa de partir para uma disputa maior, mas sem se colocar publicamente, visto que não desejava subir no palanque do PSB. A única forma de resolver tal contradição era deixar o PT, de modo que possa partir para essa disputa maior, mas sem aliança com o PSB. E foi o caminho tomado por ela, que deve se filiar ao Solidariedade nos próximos dias e se candidatar alegando coerência com sua posição no estado.
Procurada pela reportagem do Brasil de Fato Pernambuco, a assessoria de Marília não respondeu sobre os questionamentos da filiação ao Solidariedade e anunciou que, nesta sexta-feira (25), a deputada fará uma coletiva de imprensa para anunciar os próximos passos de sua trajetória política.
Em Pernambuco o Solidariedade sempre foi comandado por Augusto Coutinho, deputado federal de direita e com raízes no DEM, mas que em Pernambuco compõe com o PSB.
Diante da dificuldade de montar chapas para disputas de deputados, Coutinho se desligou do partido e se filiou ao Republicanos, partido comandado localmente por Silvio Costa Filho e nacionalmente pela Igreja Universal.
O dirigente nacional do Solidariedade, Paulinho da Força, fechou acordo para colocar partido nas mãos de Marília Arraes. O partido já havia fechado apoio a Lula e, com a entrada de Marília, a sigla deve deixar a base de apoio do PSB em Pernambuco.
Tentativas de conter a crise
As notícias sobre a migração de Marília circulam desde o dia 16, o que levou o pré-candidato a governador Danilo Cabral (PSB) a reduzir as resistências sobre tê-la na chapa como candidata ao Senado pelo PT.
O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, comunicou a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffman (PT), de que havia sinal verde para ter Marília na composição. A sinalização chegou a Pernambuco, onde o PT, no domingo (20), realizou reunião e os demais postulantes à vaga abriram mão em favor de Marília. Mas nenhuma das movimentações adiantou.
Marília optou por não participar do encontro do PT no último domingo. E logo após a comunicação pública do partido de que ela foi a escolhida para ser indicada ao Senado, a deputada publicou uma nota acusando o partido de “descuido” e “precipitação”.
“Não fui consultada e não autorizei que envolvessem meu nome em qualquer negociação, menos ainda que tornassem público, como se fossem senhores do meu destino”. Na nota Arraes também reclama de ter sido vetada na disputa pelo governo em 2018, em nome da aliança com o PSB; e de ter sofrido, na disputa pela prefeitura em 2020, um boicote interno da cúpula do partido.
Marília teve encontro com Lula, mas não recebeu garantias de apoio para uma postulação a governadora / Cláudio Kbene
Na segunda-feira (21), foi a São Paulo conversar com Lula. Comunicou ao líder do PT sua saída do partido, mas prometeu que dará mais um palanque no estado para o presidenciável petista. É incerto, no entanto, se ela terá algum sinal público de apoio por parte de Lula, que já fechou apoio a Danilo Cabral (PSB).
Na terça-feira (22), em Brasília, Marília Arraes já falava abertamente aos colegas deputados que estava mesmo saindo do PT, culpando o “ódio” dirigido a ela pelo principal cacique do partido em Pernambuco, o senador Humberto Costa.
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Ainda na terça, Humberto Costa usou as redes sociais para rebater a deputada. Ele disse nunca ter vetado o nome de Marília para o Senado e que inclusive participou da reunião em que o nome dela foi escolhido.
O senador também buscou se mostrar leal ao PT, criticando políticos que “fazem sucessivas trocas partidárias” e afirmou que sempre cumpriu de forma disciplinada decisões do partido e de Lula, mesmo quando contrariado. “Meu projeto individual não é maior que o projeto do PT”, pontuou.
Humberto foi pré-candidato ao Governo de Pernambuco este ano e aparecia liderando as pesquisas, mas retirou seu nome após decisão nacional do PT pelo apoio ao PSB no estado.
Desafio eleitoral de 2022
O cenário posto em Pernambuco é de uma grande quantidade de pré-candidaturas que já se mostram competitivas. Além do deputado federal Danilo Cabral, que representa os últimos 16 anos de gestão PSB no estado; e da possível candidatura da deputada Marília Arraes pelo Solidariedade; há ainda os nomes de três prefeitos que devem deixar as gestões municipais esta semana para buscar o governo.
Da região metropolitana, o prefeito de Jaboatão, Anderson Ferreira (PL), será o candidato de Bolsonaro; no agreste, a prefeita de Caruaru, Raquel Lyra (PSDB), vai buscar o governo com o apoio de João Dória; e no sertão, o prefeito de Petrolina, Miguel Coelho (MDB), também ligado a Bolsonaro. Os pré-candidatos João Arnaldo (PSOL) e Jones Manoel (PCB) correm por fora.
A esta altura da corrida, é difícil para Marília formar um novo leque de alianças, já que a maior parte das siglas já está comprometida com alguma candidatura. Portanto, ainda não há certeza sobre a candidatura de Marília ao Palácio do Campo das Princesas, sendo possível uma composição com Raquel Lyra (PSDB), em que uma delas dispute a vaga no Senado.
Em 2018 Marília foi pré-candidata ao governo, mas uma costura nacional levou o PT Pernambuco a fechar apoio à reeleição de Paulo Câmara (PSB) / Divulgação
Se Marília se lançar para governadora, o cenário fica ainda mais complexo e, por enquanto, de difícil previsibilidade. Mas caso ela se lance para o Senado, pode ter mais facilidade. Afinal, o eleitorado petista na região metropolitana pode até fazer a concessão de votar no PSB para o Governo, mas o candidato a Senador da Frente Popular – possivelmente o deputado de direita André de Paula (PSD) – pode não receber o abraço do eleitor progressista.
Perfil
Marília Arraes é formada na base do PSB, partido do qual seu avô Miguel Arraes é uma das principais figuras históricas. Foi eleita vereadora em 2008 e 2012 pelo partido, tendo sido secretária de Juventude na primeira gestão Geraldo Julio (PSB) na Prefeitura do Recife.
Em 2014, ela se desentendeu com o primo Eduardo Campos, então governador do estado e comandante nacional do partido. Eduardo teria vetado a candidatura de Marília a deputada federal. Também em 2014 o PSB consolidou seu afastamento do PT, lançando Eduardo Campos candidato à Presidência da República em oposição a Dilma Rousseff (PT). Campos morreu em agosto daquele ano num acidente de avião.
Desde 2014 Marília Arraes passou a fazer oposição às gestões do próprio partido, defendendo uma reaproximação nacional do PSB com o PT, mas localmente também realizou movimentações junto à oposição de direita.
Em 2016 Marília se filiou ao PT e foi reeleita como a segunda vereadora mais votada do Recife. Em 2018, pleiteou ser candidata ao Governo do Estado pelo PT, em oposição ao PSB. Mas nacionalmente o PT fechou o apoio à reeleição de Paulo Câmara (PSB). Marília foi eleita deputada federal com mais de 190 mil votos, a segunda mais votada do estado e seguiu criticando o PSB em Pernambuco.
Já como deputada federal, viveu uma rusga nacional com o partido no início de 2021, por ocasião da eleição da mesa diretora da Câmara. O PT tinha direito à cadeira da 2ª secretaria da mesa. Na eleição interna da bancada, Marília foi derrotada em favor de João Daniel (PT-SE), por uma margem pequena.
Ela então desobedeceu a orientação partidária e concorreu “avulsa”, numa votação aberta aos demais deputados não-petistas, saindo vitoriosa e assumindo o posto que ocupa até o momento. Isso causou um mal-estar entre ela e o partido nacionalmente.