Com as tropas russas cercando Mariupol e próximas a Kiev, a guerra na Ucrânia completa um mês nesta quinta-feira (24). Após meses de acumulo de tropas russas nas fronteiras, assim como o fracasso das negociações sobre os limites da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a Rússia invadiu a Ucrânia na madrugada de 24 de fevereiro. Contrariando uma possível expectativa inicial do Kremlin de uma rápida resolução para o conflito, a guerra se arrasta desde então e já resultou em 3.674.952 refugiados e, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 925 civis mortos.
Os números de militares mortos são controversos. Enquanto o Ministério de Defesa da Ucrânia disse na quarta-feira (23) que cerca de 15.600 soldados russos perderam a vida ou foram feridos, o Ministério da Defesa da Rússia publicou sua última atualização sobre vítimas no dia 2 de março: 498 mortos e 1.597 feridos.
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Relatório do Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês), centro de pesquisa localizado nos Estados Unidos, aponta que os russos parecem estar aumentando seus bombardeios contra a Ucrânia diante do fracasso da tentativa de tomar grandes centros urbanos e a capital Kiev. O foco, diz o relatório, deixou de ser a movimentação terrestre de tropas.
De acordo com análise de Frederick Kagan, ex-professor de história militar Academia de West Point, a guerra na Ucrânia não deve ter um desfecho em breve e está em um cenário de "impasse". Em texto publicado no ISW, o pesquisador afirma que a atual fase do conflito, de impasse e cerco, "serão brutais".
Confira alguns pontos estratégicos para compreender a guerra em reportagens e textos publicados pelo Brasil de Fato:
Contexto e motivações: expansão da Otan e mercado de energia
Moscou afirma que suas preocupações de seguranças por conta do avanço da Organização do Tratado Atlântico Norte (Otan) rumo às suas fronteiras não foram levadas em consideração na escalada que levou a invasão. Nas negociações pela paz pós-invasão, a neutralidade da Ucrânia e o veto da entrada de Kiev em alianças militares ocidentais sempre estiveram em discussão.
A Rússia diz que o reconhecimento de sua soberania em Donbas e na Crimeia, classificados pela comunidade internacional como parte da Ucrânia, são "questões-chave". Já os ucranianos querem "estados garantidores" que se comprometeriam a ajudar Kiev em caso de nova agressão militar. Seria uma forma de o governo ucraniano ter alguma das vantagens da Otan sem se incorporar formalmente à Aliança.
Outro elemento central do conflito é o mercado de energia. A Rússia é um dos maiores fornecedores de petróleo e gás natural do mundo e tem uma relação de dependência mútua com o Ocidente neste quesito: os países precisam do combustível russo e o Kremlin precisa das divisas geradas por essas vendas.
Também é impossível falar da guerra na Ucrânia sem levar em consideração a aliança entre Rússia e China. No início de fevereiro, o presidente da China, Xi Jinping, recebeu um chefe de Estado em Pequim pela primeira vez desde 2020. E o escolhido foi o presidente russo, Vladimir Putin. A visita serviu para reafirmar a parceria "sem precedentes" das duas nações.
A Otan pede que a China seja mais enfática em sua rejeição à guerra travada pelos russos. Os chineses, por sua vez, responderam afirmando que nunca esquecerão do bombardeio de sua embaixada em Belgrado pela Otan, em 1999, e reiterando que não aceitarão sanções contra sua economia. Ou seja, uma crítica direta ao caráter intervencionista ao bloco comandado pelos EUA.
Questões para a esquerda: quem é Putin?
A guerra trouxe um dilema para a esquerda e os campos populares ao redor do mundo. Enquanto alguns setores ressaltam o papel da Otan no conflito e a crítica ao poder dos Estados Unidos, outros destacam como inaceitável a forma da invasão russa a um país soberano. O posicionamento de partidos de esquerda de diversos países, como Chile, Portugal e Venezuela, pode ser conferido neste link.
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Um setor minoritário do Partido Comunista da Federação Russa (PCRF) se posicionou contra a guerra e afirmou em nota que o conflito traz "discórdia e ódio mútuo entre os trabalhadores da Rússia e da Ucrânia". A agremiação é a segunda maior coligação da Rússia e abriga quadros que se alinham à coalizão governista Rússia Unida de Putin — e também setores stalinistas.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o historiador do período soviético Daniel Aarão Reis afirma que é preciso superar maniqueísmos na hora de pensar a guerra no leste europeu. O professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) questiona a justificativa russa de "desnazificar" a Ucrânia, embora reconheça como fato a influência neonazista na Ucrânia, como pretexto para a invasão.
Hipocrisia ocidental, sanções e consequências
O conflito bélico em um local com maioria de população branca despertou mais capas de jornais e tempo de televisão do que quando as bombas caem em outras partes do mundo. Enquanto o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, classifica Putin como "criminoso de guerra", a Casa Branca participa, direta ou indiretamente, de conflitos na Síria, Somália e Iêmen.
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Moscou sofreu sanções sem precedentes após a invasão da Ucrânia. Desde a exclusão do sistema bancário internacional, o Swift, até a expulsão da Copa do Mundo. Todavia, o mesmo não pode ser dito de outros países que também promoveram ações militares ao redor do mundo sem a anuência de organismos multilaterais.
Além dos milhares de ucranianos e russos mortos, e os milhões de refugiados, a guerra também afeta a população em um nível mundial. A Rússia é o maior produtor mundial de trigo e o futuro do insumo no mercado mundial pode gerar uma escassez global.
Em outro desdobramento com potencial inflacionário, Putin anunciou nesta quarta-feira (23) que aceitará o pagamento do gás natural vendido pelo seu país apenas em Rublos, a moeda nacional russa. Como 38% de todo o gás consumido pela União Europeia vem da Rússia, a decisão pode significar que os trabalhadores do bloco precisarão esvaziar ainda mais suas carteiras para pagar contas básicas.
Edição: Arturo Hartmann