Estudo apresenta dados sobre a participação feminina no mercado musical
“O estudo aponta um enorme abismo entre as participações femininas e masculinas no mercado musical”, afirma a superintendente executiva do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) sobre o relatório O que o Brasil ouve – Edição Mulheres na Música.
O levantamento está baseado na distribuição dos direitos direcionados a elas em comparação aos homens e um ranking das músicas nacionais mais tocadas nos últimos cinco anos com mulheres na autoria.
Ao mesmo tempo, a participação feminina como titular de músicas beneficiadas com direitos autorais apresentou um aumento de 5% em 2021.
O reconhecimento vale para as áreas de composição, interpretação, profissionais da música, editoria e produção fonográfica, filiadas em uma das sete associações que administram o Ecad(Abramus, Amar, Assim, Sbacem, Sicam, Socinpro e UBC).
“Apesar de ser um percentual pequeno representa mais de 23 mil mulheres beneficiadas no ano passado, ainda é um número discreto em relação ao cenário masculino, mas é um crescimento. E esperamos que a participação delas seja progressiva, o importante é seguir em uma curva ascendente”, analisa Isabel Amorim.
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Elas estão conquistando cada vez mais o seu espaço e na música também. Atualmente entre as mulheres cadastradas 94% são compositoras e 11% são intérpretes. 9% são musicistas e 3% produtoras fonográficas.
Há 21 anos na música, Andréia Preta tinha o desejo de ser cantora desde criança, mas enfrentou dificuldades justamente por ser mulher. Ela sofreu um abuso do seu professor de violão aos 13 anos.
“Ele [professor] me tratava de um jeito quando a esposa estava em casa e de outro quando ele estava sozinho, até que comecei a me sentir ameaçada e parei de fazer aula, eu já estava lendo partitura, tocando música instrumental, aí eu tive um bloqueio, parei de estudar violão”, denuncia Andréia Preta.
Aos 27 anos, Andréia Preta deu o seu grito de liberdade e decidiu se dedicar à música. Filha de nordestinos, ela começou a cantar forró pé de serra, samba e MPB. Ela demorou para se assumir compositora. Após a separação, a artista revisitou composições que havia feito no passado e gravou um disco com esse repertório:
Sempre fiquei muito preocupada com a opinião masculina sobre o que eu ia mostrar das minhas músicas e recebia muitas críticas, até que resolvi me libertar e encontrar as pessoas que compreendiam e valorizavam o meu trabalho enquanto compositora
Hoje Andréia Preta afirma que está cada vez mais difícil se manter na música: “eu componho letra e música, e sou melodista. Gravei um disco por meio de um Fundo da Secretaria de Cultura de Campinas. E aí esse foi o único edital que consegui ganhar na vida até hoje. Lancei meu disco em 2016 e depois disso eu não consegui fazer nenhum trabalho via edital. Então nesse momento, pós pandemia, tenho pensado muito em ter um plano B, tentar um concurso público para ter uma profissão que me dê um pouco de dignidade, porque eu ainda não consigo ter dignidade com a música”.
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A cantora e compositora Ana Cañas estreou na música brasileira em 2007 com o álbum Amor e Caos. Com 20 anos de estrada, ela se tornou conhecida pela sua música, e pelos seus posicionamentos políticos "sem papas na língua" sobre temas relacionados à mulher e à conjuntura nacional. Mais da metade da sua equipe é formada por mulheres, mas ela enfatiza que no geral o cenário é ainda muito diferente.
“Estamos sempre na luta para ampliar esse espectro, para ter mais equidade refletida no espaço profissional. Porque percebemos não só uma predileção pelos homens no line-up de diversos festivais pelo país, mas também no backstage, na parte da técnica, iluminação, produção, nos estúdios… é realmente um meio ainda muito masculino, branco, hétero e cis”, analisa Ana Cañas.
Atualmente a artista está lançando seu 6º álbum, "Ana Cañas Canta Belchior". Apesar de terem menos espaço e menos protagonismo, ela diz percebe um avanço em relação a presença das mulheres e reconhecimento.
“A gente tem visto novas mulheres produzindo discos e ganhando prêmios e fortalecendo através de reconhecimento pelo trabalho. Isso dá visibilidade às cantoras, por exemplo, do mainstreaming que chamam outras mulheres para colocar em cima do palco e trabalhar com elas em seus discos. Aos poucos estamos galgando e promovendo uma mudança que ainda é distante de ser o que é necessário e fundamental, mas nós já vemos brilhos de outras mulheres assim tem sido bonito participar desse movimento construindo também músicas que falem sobre isso, sobre a sexualidade feminina, liberdade e empoderamento”, ressalta Cañas.
Edição: Daniel Lamir