Uma licença prévia concedida à construção do porto sojeiro Barranco Vermelho, no município de Cáceres (MT), às margens do rio Paraguai, acendeu o alerta de pesquisadores, ambientalistas, além de populações tradicionais cuja sobrevivência está ligada à preservação do Pantanal.
O licenciamento ambiental foi aprovado em janeiro deste ano pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), contrariando estudos acadêmicos e posicionamentos do Ministério Público do Mato Grosso (MP-MT) e do Ministério Público Federal (MPF).
“O resultado do porto será o trânsito de grandes embarcações no rio Paraguai, o que pode levar à perda de área úmida do Pantanal”, afirma a doutora em Ecologia e Recursos Naturais, Solange Ikeda.
Ministério Público aponta ausência de estudos de impacto
Alguns dos pontos do rio que passarão por obras estão localizados nas áreas da Reserva Ecológica Taiamã e do Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, as áreas mais intocadas e conservadas do bioma e considerados refúgios para a biodiversidade pantaneira. Jutas elas abrigam uma das maiores densidades de onças-pintadas do mundo.
“Há relação direta entre esse empreendimento e a degradação do Pantanal como um todo. Quando se muda esse sistema de cheias, há mudanças na qualidade de vida de quem está no território e depende da pesca. Essa é a cultura ancestral de quem está aqui”, continua a pesquisadora.
A Procuradoria de Justiça Especializada em Defesa Ambiental e Ordem Urbanística do MP-MT já apontou falta de transparência na concessão da licença e “a ausência de estudos e avaliações estratégicas acerca da viabilidade socioambiental do empreendimento”.
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O órgão estadual também pontuou que a licença descumpre recomendação do Comitê Nacional das Zonas Úmidas (CNZU), que restringe a navegação de grande porte no trecho do rio Paraguai, corpo hídrico “fundamental para manutenção dos recursos pesqueiros em toda bacia hidrográfica bem como dos padrões de inundação da planície pantaneira”, escreveu o MP-MT.
Comunidades não foram ouvidas
Em 2021, O MPF conseguiu uma decisão liminar de suspensão do processo de licenciamento, acusando o empreendimento, entre outras irregularidades, de não consultar as populações afetadas, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
“As comunidades tradicionais denunciam que não foram ouvidas. Eles exigem ser respeitados, mas sequer estão tendo chance de se colocar no debate”, relata Ikeda, docente da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
“Nenhuma das comunidades, nem nós da academia, temos interesse de ser contra um empreendimento apenas por uma posição previamente estabelecida. Há muitos relatos a serem colocados e que precisam ser ouvidos”, afirma.
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"Grande capital" passa a boiada, dizem entidades
Em fevereiro deste ano, uma carta pública foi assinada por mais de 150 entidades ambientais, movimentos populares e partidos políticos. O documento acusa os envolvidos no processo de licenciamento de estarem movidos pelos interesses do agronegócio, setor que se beneficiaria da expansão do cultivo de soja na região.
“Os agentes atuantes para os interesses do grande capital movimentam-se, e o fazem de forma sorrateira, 'passando a boiada e mudando o regramento'. Colaboram, assim, para a destruição das riquezas naturais de sistemas ecológicos como os presentes no bioma Pantanal”, diz trecho da carta pública.
Edição: Vivian Virissimo