Existe um compromisso de todas famílias para não usar veneno nas produções para preservar o aquífero
Você já deve ter ouvido falar no Momento Agroecológico sobre produção agroflorestal, que é uma forma de uso do solo mais sustentável que combina em uma mesma área o cultivo de árvores junto com a produção de hortaliças, grãos, legumes e frutas.
Hoje iremos apresentar um assentamento que se destaca pela produção de alimentos agroecológicos com base nesse sistema: o Mário Lago, que fica na zona rural de Ribeirão Preto, interior paulista, situado em uma área onde está um dos maiores reservatórios de água do mundo, o Aquífero Guarani.
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O assentamento se enquadra na modalidade de Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) que de acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é estabelecido para o desenvolvimento de atividades ambientalmente diferenciadas e dirigido para populações tradicionais.
Kelli Mafort, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mora no assentamento e explica que o carro-chefe hoje é a agrofloresta. Ela acrescenta que a agroecologia não é uma questão só de consciência, mas existe um compromisso, um termo assinado por todas as famílias para não usar veneno nas produções afim de colaborar com a preservação do aquífero.
“Somos um dos únicos pontos de Ribeirão de preservação do Aquífero que é um reservatório de água potável importante, mas ele precisa de uma boa absorção de água das chuvas. E quando você impermeabiliza tudo, bota casa, bota prédio, bota cana, põe veneno ou põe indústria…O que acontece? Você não vai abastecer. Tudo isso vai para o Aquífero também. Então o assentamento hoje cumpre uma função agroecológica bastante importante, não só na questão do alimento, mas também nesse elemento vital que é a recarga do Aquífero Guarani”, explica.
:: Cerca de 80% dos alimentos agroecológicos chegam até feiras, supermercados e escolas ::
O assentamento que está prestes a completar 19 anos, foi fruto da luta dos agricultores que ocuparam a Fazenda da Barra, uma grande área de cana-de-açúcar que ficou por muitos anos improdutiva. O solo que estava degradado começou a ser recuperado por meio do sistema de agrofloresta. Hoje, são 464 famílias no Mário Lago sendo, 268 ligadas ao MST e as outras são de outros três movimentos.
José Ferreira de Souza, mais conhecido como Paraguai, é pai de quatro filhos e mora no assentamento desde 2005. Ele conta que em 2012, começou a implantar a produção agroflorestal no assentamento, conhecendo experiências semelhantes.
Ele ressalta que para se produzir nesse sistema é preciso quebrar paradigmas, e esse é um dos grandes desafios, pois envolve mudanças na produção, hábitos alimentares, mas respeito a dinâmica da natureza.
“Quem produz no sistema não está produzindo só alface, fruta, verdura e legumes, ele está plantando água, plantando qualidade de vida e trazendo a vida de volta. Eu costumo dizer que primeiro a gente separou as plantas e as pessoas. Para fazer agrofloresta você está juntando as plantas e as pessoas de novo”, define Paraguai sobre o que é um sistema de agrofloresta.
Cerca de 50 famílias já produzem no sistema agroflorestal, segundo ele.
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Paraguai afirma que para ter mais iniciativas agroflorestais é necessário políticas públicas voltada aos pequenos agricultores, pois o desafio da comercialização é grande.
“Em um país onde não tem subsídio agrícola é complicado para o pequeno sobreviver da agricultura. Você precisa ter uma comercialização diferenciada, de preços mais justos, porque não dá para competir com uma produção convencional cheia de veneno por vários aspectos. O principal deles é que não estamos vendendo só uma penca de banana, estamos vendendo água, vendendo vida, por isso é preciso políticas públicas que valorizem esses produtos florestais”.
Os alimentos agroecológicos são vendidos por meio de três cooperativas do assentamento e destinados às escolas, feiras de Ribeirão Preto e também direto para moradores da cidade por meio das cestas de alimentos agroecológicos. A professora e escritora Alzira Célia Soares Sene é uma das consumidoras que há dois anos optou por comprar as cestas da reforma agrária semanalmente.
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Para ela, a compra dos alimentos é uma ação afirmativa de apoio a um movimento que tem na sua produção o cuidado com o meio ambiente e com o alimento desde o cultivo até chegar à mesa.
“Os produtos são muito bem preparados, bem frescos, apanhados no dia e muito bem higienizados. Além disso, outro motivo importante é que não usam agrotóxicos e fogem de sementes transgênicas de megaempresas, e plantam aquilo que é sazonal, com técnicas de aproveitamento integral de resíduos para compostagem e preparo do plantio”.
Edição: Letícia Viola