Entregadoras e entregadores de aplicativo de todo o Brasil realizam paralisação nacional por direitos, dignidade e melhores condições de trabalho. Em algumas capitais as manifestações tiveram início a partir desta terça-feira (29), com o seu ápice nesta sexta-feira, dia 1º de abril, conhecido como o "Dia da Mentira", no ato que eles chamam de "Apagão dos Apps".
Entre as reivindicações estão necessidades básicas como o acesso à água potável e banheiro até a garantia da revisão anual de taxas de entrega, transparência e automação do sistema de cálculos de recebimentos aos entregadores.
Ao programa Entrevista Central, o vice-presidente da Associação de Moto Frentistas Autônomos e Entregadores de Aplicativos do Distrito Federal, Abel Santos, fala sobre os impactos e expectativas diante das manifestações nacionais da categoria, que a cada ano acumula mais reivindicações em razão do aumento de demanda e redução de direitos.
Na condição de reclamar por direitos básicos e fisiológicos, Santos explica que a sensação de entregadores e entregadores de aplicativos é de viverem uma situação análoga à escravidão, destacando que em muitas situações pagam para trabalhar.
"É difícil falar que estamos trabalhando, a sensação é que nossa situação é análoga à escravidão, porque não temos amparo nenhum", avalia Sobral.
Confira a entrevista completa.
Brasil de Fato: Quais são as principais reivindicações nesse momento?
Abel Santos: O breque está presente na vida do trabalhador por aplicativo desde 2020. Fizemos o primeiro breque em 1º de junho de 2020 e desde lá as reivindicações não mudaram, permaneceram as mesmas em alguns pontos e foram acrescentadas outras por falta de o próprio aplicativo tentar sanar esses problemas.
Na época pedimos reajuste de taxas, reajuste do quilômetro rodado, que esse reajuste pudesse ser anual, de acordo com IPCA, porque se não o entregador perde muito poder de compra e essas são as principais reivindicações que ainda temos hoje. Quando ele lançou um reajuste recentemente da taxa mínima e do quilômetro rodado, não conseguiu cobrir a defasagem dos últimos anos, porque nunca teve um aumento, nem um regra de reajuste.
Como a operação é toda feita pelo entregador, o custo dela sai todo do bolso do entregador e alguns fatores como o aumento da gasolina fizeram com que o entregador gastasse mais para passar o mesmo tempo trabalho, então para que ele pudesse tirar mais, teve que aumentar a sua carga horária de serviço. Se antes ele rodava oito, hoje roda dez, doze, quinze horas por dia, para ter a mesma renda que tinha antes.
Outro ponto importante que precisamos falar é sobre os bloqueios. A plataforma faz diversos bloqueios, mas sem transparência, sem que o entregador entenda porque está sendo bloqueado. Desde 2020 pedimos que exista uma parte administrativa, como se fosse um processo, para que esse entregador pudesse entender o porque desse bloqueio e pudesse se defender, mas infelizmente até hoje isso não se tornou realidade, mesmo com a lei federal tendo sido sancionada em janeiro desse ano, onde não se poderia bloquear nenhum entregador por aplicativo durante a pandemia, ainda continuam acontecendo os bloqueios.
Aqui no Distrito Federal pedimos pelo cumprimento dos pontos de apoio. Infelizmente ela já está há mais de um ano regulamentada, mas nunca foi cumprida por parte dos aplicativos. O que pedimos é o básico para poder permanecer nas ruas, que é o banheiro, a água potável, um local para carregar celular, um ambiente para descansar, pois muitos aqui moram no entorno e tem que deslocar até o centro de Brasília, ele não tem o suporte da casa dele quando precisa.
A categoria já tem um desenho do tamanho do ato em todo o país? Quantas cidades confirmadas e como será essa manifestação?
Esse é o segundo breque puxado pelos entregadores, mas dessa vez é uma mobilização que unifica trabalhadores ligados a várias plataformas. O que muda em relação ao primeiro breque?
Na realidade, pelas minhas contas, esse é o quinto breque, se contarmos desde o início da pandemia, quando começamos a lutar pelos efeitos necessários para combater o vírus. Como falei, as demandas continuam as mesmas pela falta de retorno dos aplicativos, mas o que muda é que apareceram mais demandas. Uma demanda que surgiu nesse intervalo de tempo, é a questão do pedido duplo.
Hoje o entregador ganha uma taxa para entregar um pedido, mas por exemplo, se você pedir e o seu vizinho pedir junto, esse pedido vai para um único entregador e ele ganha praticamente uma taxa só ou então 30% a 50%, ele não ganha duas taxas, então ele está perdendo, ele está tendo prejuízo porque não recebe as duas taxas de forma completa.
Outra questão são os agendamentos, agora o Ifood quer implementar uma questão do nuvem, que é como um trabalhador independente, que não está ligado a um operador logístico, que é responsável por manter um número mínimo de entregadores atuando em determinada área e horário para suprir a demanda, então ele vai ter que começar a agendar para começar a trabalhar, mas hoje já temos um dificuldade enorme porque temos que concorrer com o OL [operador logístico], que tem prioridade na chamada.
Por exemplo, se estou em um restaurante, eu e um entregador que faz parte de um operador logístico, ele tem a prioridade na chamada, então se sair o pedido ele vai ser chamado primeiro e eu vou ser chamado a partir do segundo, se não chegar outro OL. E ainda vou precisar agendar um período e só posso rodar naquele período. Se eu não conseguir tirar um retorno bom nesse período, não consigo estender o horário para bater minha meta diária, para no final do mês conseguir aquela quantia que supra minhas necessidades.
Então são algumas reivindicações que surgiram e hoje a estratégia é fazer com que os pedidos não aconteçam, e não mais como antes que a gente se concentrava em um local com faixas e buscava o reconhecimento da mídia. Hoje a gente busca realmente causar um impacto na plataforma, para que ela veja que depende do entregador e que seja uma parceria de mão dupla, e não como está sendo feita hoje de forma unilateral.
É difícil falar que estamos trabalhando, a sensação é que nossa situação é análoga à escravidão, porque não temos amparo nenhum.
Um estudo organizado pela Oxford aponta que os aplicativos em funcionamento no Brasil não oferecem condições mínimas de trabalho. O que explica essa nota tão baixa do Brasil?
Eu acompanhei esse estudo. Hoje o aplicativo que teve uma nota maior no território brasileiro foi de duas estrelas, sendo que a nota vai zero a dez. Acredito que o fator que teve mais responsabilidade em relação a isso foi justamente a falta de condições para o trabalhador atuar nas ruas. Porque se eu preciso ir a um banheiro tenho que recorrer a um restaurante que muitas vezes não autoriza, se eu preciso ir ao shopping, preciso deixar minha bag na moto e entrar e às vezes ainda preciso explicar para o segurança o que vou fazer lá dentro.
É muito complicado o acesso ao banheiro, sendo que é algo tão simples, de necessidade básica que não é pensada. Se eu preciso tomar uma água, também preciso comprar, porque muitas vezes os estabelecimentos também não fornecem essa água, então essa precariedade do mínimo, do básico, acredito que levou a essa nota. Fora a questão da taxa, porque todos trabalhamos por ter dívidas, por precisar, não estamos embaixo de sol e chuva, à noite, com uma carga excessiva de jornada de trabalho porque achamos bonito, é porque temos necessidade daquela fonte de renda, então quando vemos que passam dois, três, quatro anos sem aumento, mas aquilo que você precisa pagar para trabalhar aumentou, algumas coisas aumentaram quase 50%, como a troca de óleo, pastilhas, freio, gasolina que teve um aumento absurdo e não tem nem como mensurar, fica difícil avaliar de forma positiva, não se tem benefícios.
Até o seguro acidente que é para ser colocado como um benefício para o trabalhador, ele tem um carência. Eu tenho que ter o dinheiro para arcar com aquela despesa médica assim que sofro o acidente, para depois pedir o ressarcimento, é algo extremamente burocrático, levo tempo, desgaste, além de eu ter que arcar com a moto, com os dias que fiquei parado, porque não temos direito à previdência, ao INSS, a um seguro, a nada. Eu passei por isso e sei que essa é a realidade, estou falando com propriedade. É difícil falar que estamos trabalhando, a sensação é que nossa situação é análoga à escravidão, porque não temos amparo nenhum.
Como as empresas que gerenciam esses aplicativos estão se comportando diante das reivindicações desses trabalhadores?
A única resposta que tivemos foi do Ifood, que fez um fórum com lideranças de todo o país. Eles fizeram uma carta de compromisso, onde falam que já cumpriram cerca de 70% dela, mas esses benefícios não chegaram ao trabalhador nas ruas. Uma questão que foi muito questionada, foi a automação da taxa de espera. Às vezes vou para um restaurante e preciso esperar 40 minutos a uma hora para o pedido ficar pronto, sem receber nada e sem poder receber outro pedido. Então pedimos uma taxa em relação a esse tempo de espera e uma automação dessa taxa, que contabilize o tempo de espera e seja paga mediante a finalização do pedido, como acontece com a taxa de entrega.
Isso eles falam que já concluíram, mas essa não é a realidade nas ruas. Na realidade não conseguimos nem mesmo mensurar isso, pois não tem transparência no pagamento, que é uma segunda reivindicação passada no fórum que eles prometeram avaliar. Eu não sei pelo que estou ganhando, na descriminação diz apenas corrida x, tal dia, tal hora e pagamento y, mas não explica como eles chegaram a esse cálculo, eu não sei quanto ganhei de gorjeta, o que ganho de tempo de espera, não é uma coisa clara, tem apenas o total, como saber se isso realmente foi feito? Foi feito um compromisso, mas até agora não sentimos que ele foi realizado, não chegou esse resultado nas ruas. Temos promessas, mas o resultado até hoje é muito negativo.
Como a sociedade pode colaborar com a mobilização dos entregadores e qual a expectativa para esse novo breque?
A sociedade pode colaborar não fazendo pedidos nos dias de paralização na sua região, no seu estado. E acho que uma arma muito poderosa que temos hoje são as redes sociais, a comunicação, que vocês possam passar esse apoio via redes sociais, questionar essas plataformas através das redes deles mesmo, para que vejam que a sociedade está apoiando as manifestações e entender as nossas reivindicações, porque todo mundo tem que trabalhar, independe da atuação profissional, mas ela tem as mesmas necessidades básicas que todos os trabalhadores tem, a diferença é que não somos atendidos, não temos acesso ao amparo que os outros trabalhadores tem.
A expectativa é que os aplicativos entendam que somos seres humanos, que somos parceiros e realmente sejamos tratados como parceiros e venha a oferecer o mínimo. Ninguém está pedindo para ganhar dinheiro deitado na cama em casa, estamos pedindo o mínimo de condição para viabilizar a prestação de serviço, pois sem essa prestação de serviço nem o aplicativo existiria e nem o comércio venderia, principalmente durante a pandemia, porque nós fomos a linha de frente.
Nós que entregamos remédios, água potável, alimentos, não apenas lanches, mas até compras de supermercado. Temos que ter o mínimo para continuar exercendo essa função que essencial e fundamental para a sociedade, que caminha cada vez mais para o avanço da tecnologia, de estarem conectados, então precisamos começar a entender e valorizar os profissionais que fazem isso virar realidade.
Edição: Rodrigo Durão Coelho